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simplesmente riscados do mapa. Segundo o Ministério da Saúde da Bielo-Rússia, o índice de câncer na tiróide no país deve aumentar consideravelmente entre 2005 e 2010, como conseqüência da radiatividade que ainda continua a fazer efeito. Outro especialista me explica que além destas 9 milhões de pessoas diretamente expostas à radiação, mais 65 milhões foram indiretamente afetadas através do consumo de alimentos contaminados, em muitos países do mundo.

É um assunto sério, que merece ser tratado com respeito. No final do dia volto à sala do secretário de redação e sugiro que eu vá visitar a cidade apenas no dia do aniversário do acidente — até lá posso fazer mais pesquisas, ouvir mais especialistas, e ver como o governo inglês acompanhou a tragédia.

Ele concorda.

Ligo para Athena — afinal ela diz que namora alguém da Scotland Yard, e este é o momento de lhe pedir um favor, já que Chernobyl não é um assunto classificado como secreto, e a União Soviética não existe mais. Ela promete que irá conversar com o seu “namorado”, mas diz que não garante ter as respostas que desejo.

Diz também que está partindo para a Escócia no dia seguinte, retornando apenas para a reunião do grupo.

— Que grupo?

O grupo, responde. Então agora aquilo vai transformar-se em rotina? Quando poderemos nos encontrar, conversar, esclarecer as coisas soltas no ar?

Mas ela já desligou. Volto para casa, vejo os noticiários, janto sozinho, vou buscar Andrea no teatro. Chego a tempo de assistir ao final da peça e, para minha surpresa, parece que a pessoa que está ali no palco não é a mesma com quem convivi durante quase dois anos; há algo de mágico em seus gestos, os monólogos e diálogos saem com uma intensidade com a qual não estou acostumado. Estou vendo uma estranha, uma mulher que 323

desejaria ter ao meu lado — e me dou conta que a tenho ao meu lado, não é de maneira nenhuma uma estranha para mim.

— Como foi sua conversa com Athena? — pergunto na volta para casa.

— Foi bem. E como está o trabalho?

Mudou de assunto. Conto que fui promovido, falo de Chernobyl, e ela não demonstra muito interesse. Começo a achar que estou perdendo o amor que tinha, e não ganhei o amor que esperava. Entretanto, assim que chegamos ao apartamento ela me convida para tomarmos banho juntos, e logo estamos entre os lençóis. Antes, ela colocou no volume máximo a tal música de percussão (explica que conseguiu uma cópia), e disse que eu não pensasse nos vizinhos — a gente se preocupava demais com eles, e não vivia jamais nossas vidas.

O que ocorre, dali por diante, é algo que ultrapassa minha compreensão. Será que a mulher que, neste momento, faz amor comigo de uma maneira absolutamente selvagem, tinha descoberto finalmente sua sexualidade — e isso havia sido ensinado ou provocado por outra mulher?

Porque, enquanto me agarrava com uma violência nunca vista, dizia sem parar:

— Hoje eu sou seu homem, e você é minha mulher.

E ali ficamos por quase uma hora, e experimentei coisas que nunca tinha ousado antes. Em determinados momentos tive vergonha, vontade de pedir que parasse, mas ela parecia estar com pleno domínio da situação, eu me entreguei — porque não tinha escolha. E o que é pior, tinha muita curiosidade.

No final, estava exausto, mas Andrea parecia com mais energia que antes.

— Antes de dormir, quero que saiba uma coisa — disse ela. — Se você for adiante, o sexo lhe dará possibilidade de fazer amor com os deuses e as deusas. Foi isso que você experimentou hoje. Quero que vá dormir sabendo que eu despertei a Mãe que estava em você.


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Tive vontade de perguntar se havia aprendido aquilo com Athena, mas não tive coragem.

— Diga-me que gostou de ser mulher por uma noite.

— Gostei. Não sei se gostaria sempre, mas foi algo que me assustou e me alegrou ao mesmo tempo.

— Diga-me que sempre quis experimentar o que experimentou.

Uma coisa é deixar-se levar pela situação, a outra é comentar friamente o assunto. Eu não disse nada — embora não duvidasse que ela soubesse a resposta.

— Pois bem — continuou Andrea. — Isso tudo estava dentro de mim e eu não sabia. E estava dentro de mim a máscara que caiu hoje quando eu estava no palco: você notou algo diferente?

— Claro. Irradiava uma luz especial.

— Carisma: a força divina que se manifesta no homem e na mulher. O poder sobrenatural que não precisamos mostrar para ninguém, porque todos conseguem enxergar, até os menos sensíveis.

Mas só acontece depois que ficamos nus, morremos para o mundo, e renascemos para nós mesmos. Ontem à noite, eu morri. Hoje, quando pisei o palco e vi que fazia exatamente o que havia escolhido, eu renasci de minhas cinzas.

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