— Pois torne a gravar.
Fiz o que ela mandava. Athena continuou:
— É difícil para mim também. Por isso, a partir de hoje não volto mais para casa. Vou esconder-me; a polícia me protegerá dos loucos, mas não me protegerá da Justiça humana. Eu tinha uma missão a cumprir, e isso me fez ir tão longe que arrisquei até mesmo a guarda de meu filho. Mesmo assim, não me arrependo: cumpri meu destino.
— Qual era sua missão?
— Você sabe, porque participou desde o início: preparar o caminho da Mãe. Continuar uma tradição que foi suprimida por séculos, mas que agora começa a ressurgir.
— Talvez...
Eu parei. Mas ela não disse uma palavra até que eu terminasse minha frase.
— ... talvez tenha sido um pouco cedo demais. As pessoas não estavam prontas para isso.
Athena riu.
— Claro que estavam. Por isso os confrontos, as agressões, o obscurantismo. Porque as forças das trevas estão agonizando, e é neste momento que elas usam seus últimos recursos. Parecem ser mais fortes, como os animais antes de 366
morrer; mas, depois disso, já não conseguem mais se levantar do chão — estarão exaustas.
“Semeei em muitos corações, e cada um manifestará este Renascimento à sua maneira. Mas existe um destes corações que irá seguir a tradição completa: Andrea.”
Andrea.
Que a detestava, que a culpava pelo fim de nosso relacionamento, que dizia para quem desejasse ouvir que Athena deixara-se dominar pelo egoísmo, pela vaidade, e terminara destruindo um trabalho que fora tão difícil de ser colocado em pé.
Ela levantou-se e pegou sua bolsa — Hagia Sofia continuava com ela.
— Vejo sua aura. Ela está sendo curada de um sofrimento inútil.
— Evidente que você sabe que Andrea não gosta de você.
— Claro que sei. Falamos quase meia hora sobre amor, não é verdade? Gostar não tem nada a ver com isso.
“Andrea é uma pessoa absolutamente capaz de levar a missão adiante. Tem mais experiência e mais carisma que eu.
Aprendeu com meus erros; sabe que deve manter certa prudência, porque os tempos em que a fera do obscurantismo está agonizando serão tempos de confronto. Andrea pode me odiar como pessoa, e talvez por isso tenha conseguido desenvolver seus dons com tanta velocidade; para provar que era mais capaz que eu.
“Quando o ódio faz uma pessoa crescer, ele se transforma em uma das muitas maneiras de amar.”
Pegou seu gravador, colocou-o dentro da bolsa, e partiu.
No final daquela mesma semana o tribunal se
pronunciava: diversas testemunhas foram ouvidas, e Sherine Khalil, conhecida como Athena, tinha direito de manter a guarda de seu filho.
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Além disso, o diretor da escola onde o menino estudava ficava oficialmente alertado de que qualquer tipo de discriminação contra o menino seria punível por lei.
Sabia que não adiantava ligar para a casa onde morava; tinha deixado a chave com Andrea, levado seu aparelho de som, algumas roupas, dizendo que não pretendia retornar tão cedo.
Fiquei aguardando o telefonema para comemorarmos juntos a vitória. A cada dia que passava, o meu amor por Athena deixava de ser uma fonte de sofrimento, e se transformava em um lago de alegria e serenidade. Eu já não me sentia tão sozinho, em algum lugar no espaço nossas almas — as almas de todos os exilados que estavam voltando — tornavam a celebrar com alegria o reencontro.
Passou-se a primeira semana, e imaginei que talvez estivesse procurando recuperar-se da tensão dos últimos tempos.
Um mês depois, imaginei que teria voltado a Dubai e retornado ao seu emprego; telefonei e me disseram que não tinham mais ouvido falar dela. Mas se soubesse onde estava, por favor lhe transmitisse um recado: as portas estavam abertas, ela fazia muita falta.
Resolvi fazer uma série de artigos sobre o despertar da Mãe, que provocou algumas cartas ofensivas de leitores me acusando de “divulgar o paganismo”, mas que fez um imenso sucesso junto ao público.
Dois meses depois, quando me preparava para almoçar, um colega de redação me chamou: o corpo de Sherine Khalil, a Bruxa de Portobello, havia sido encontrado.
Fora brutalmente assassinada em Hampstead.
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