— Será que devo arriscar, já que Krakan quase me matou uma vez? — Não vai lhe dar nem mesmo uma dor de cabeça. Loren tomou um gole mais longo e num tempo surpreendentemente curto o copo estava vazio. Em outro tempo ainda mais curto estava cheio de novo. Parecia uma forma excelente de passar sua última noite no hospital e Loren sentiu sua gratidão natural em relação a Kumar estender-se para o mundo inteiro. Mesmo uma das visitas da prefeita teria sido bem-vinda agora.
— A propósito, como está o Brant? Não o vejo há uma semana.
— Ainda na Ilha do Norte, cuidando dos reparos de seu barco e falando com biólogos marinhos. Todo mundo está um bocado excitado quanto aos scorps. Mas ninguém é capaz de decidir o que fazer com eles. Se é que vão fazer alguma coisa.
— Sabe, eu me sinto do mesmo modo quanto a Brant. Kumar riu.
— Não se preocupe. Ele tem uma garota na Ilha do Norte.
— Oh, e Mirissa sabe? — É claro.
— E ela não se importa? — Por que deveria? Brant a ama e sempre volta. Loren processou esta informação de modo um tanto lento. Ocorreu-lhe tratar-se de uma variável nova numa equação já complexa. Será que Mirissa teria outros amantes? Desejava realmente saber? Deveria perguntar? — De qualquer modo — continuou Kumar enquanto enchia de novo ambos os copos —, tudo o que realmente importa é que seus mapas de genes foram aprovados e eles foram registrados para ter um filho. Quando ele nascer será diferente. Então eles só precisarão um do outro. Não é a mesma coisa na Terra? — Algumas vezes — disse Loren. „Então Kumar não sabe, o segredo ainda permanece entre nós dois.”
„Pelo menos eu vou ver meu filho” — pensou Loren —, „ainda que seja por alguns meses. E então…” Para seu horror ele sentiu as lágrimas escorrendo em sua face. Quando é que tinha chorado pela última vez? Há duzentos anos, olhando para a Terra em chamas…
— O que foi? — perguntou Kumar.
— Está pensando em sua
esposa? — Sua preocupação era tão genuína que Loren achou impossível ofender-se com sua falta de tato ou com a referência a um assunto que por um acordo mútuo era raramente mencionado, já que nada tinha a ver com o aqui e o agora. Duzentos anos atrás, na Terra, ou trezentos anos no futuro, em Sagan 2, estavam por demais distantes de Thalassa, além do alcance de suas emoções, que àquela hora se encontravam bem confusas.
— Não, Kumar, eu não estava pensando em minha esposa.
— Irá… Mirissa? algum dia… falar com ela… a respeito de — Talvez sim, talvez não. Eu realmente não sei. Sinto-me muito sonolento. Será que nós bebemos a garrafa inteira? Kumar? Kumar! A enfermeira veio durante a noite e, contendo risadas, arrumou as cobertas de modo que não caíssem. Loren acordou primeiro. reconhecimento, ele começou a rir. Depois do choque inicial de — Qual foi a graça? — perguntou Kumar, saindo um tanto sonado da cama.
— Se você realmente quer saber, eu me perguntava se Mirissa ficaria com ciúmes. Kumar sorriu sem graça.
— Eu posso estar um tanto bêbado — disse ele —, mas tenho certeza de que não aconteceu nada.
— Eu também. E no entanto ele percebia que amava Kumar, não porque tivesse salvo sua vida ou porque fosse irmão de Mirissa, mas simplesmente por ele ser Kumar. Sexo não tinha nada a ver com isso, a própria idéia o encheria não de embaraço mas sim de vontade de rir. Era bom que fosse assim. A vida em Tarna já era suficientemente complicada.
— E você está certo — Loren acrescentou — quanto Leão Especial. Eu não estou de modo algum de ressaca. De fato me sinto maravilhosamente bem. Pode enviar algumas garrafas para a nave? Melhor ainda, algumas centenas de litros?
38. DEBATE
Era uma questão simples, mas nem por isso tinha uma resposta simples: o que iria acontecer com a disciplina a bordo da Magalhães se o próprio objetivo da missão da nave fosse posto em votação? É claro que qualquer resultado não seria definitivo e ele poderia passar por cima se fosse necessário. Teria que fazê-lo se uma maioria