„E já que estamos falando da matemática, essa ciência deu outro golpe devastador em Alfa no século XXI (ou terá sido no XXII?). Um homem brilhante, chamado Kurt Deusan, provou que existiam certos limites absolutamente fundamentais ao conhecimento e, portanto, que a idéia de um ser onisciente, uma das definições de Alfa, seria logicamente absurda. Esta descoberta chegou até nós em uma daquelas piadas inesquecivelmente ruins: Deusan Anula Deus. E os estudantes costumavam pichar os muros com as letras D. A. D., e, é claro, havia versões dizendo: Deus Anula Deusan!”
„Mas voltando ao Alfa, ele tinha desaparecido das preocupações humanas por volta da metade do milênio. Praticamente todos os homens conscientes haviam finalmente passado a concordar com o severo veredicto do grande filósofo Lucrécio: todas as religiões são fundamentalmente imorais porque as superstições que espalham provocam mais mal do que bem. E, no entanto, algumas das antigas fés conseguiram sobreviver, embora sob formas drasticamente alteradas, até o fim da Terra. Os Mórmons dos Últimos Dias e As Filhas do Profeta chegaram mesmo a construir naves semeadoras próprias. Eu freqüentemente me pergunto o que terá acontecido com elas.”
„Com Alfa desacreditado, restou Ômega, o Criador de tudo. Não é fácil abandonar ômega, o universo exige certa explicação. Ou não?
Existe uma antiga piada filosófica que é muito mais sutil do que parece. Pergunta: por que o Universo está aqui? Resposta: onde mais ele poderia estar? E eu creio que isto é bastante por hoje.” — Obrigado, Moisés — respondeu Mirissa, levemente surpresa.
— Você disse tudo isso antes, não? — O que é? — Não acredite em nada do que eu lhe disse só porque eu disse. Nenhum problema filosófico jamais é resolvido, Ômega ainda está por aí, e às vezes eu me pergunto quanto a Alfa… parecendo — É claro que disse, muitas vezes. E prometa-me uma coisa.
VII — ENQUANTO AS CENTELHAS SOBEM
47. ASCENSÃO
Seu nome era Carina, e tinha dezoito anos. Embora fosse a primeira noite que saía no barco de Kumar, não era de modo algum a primeira vez que se abandonava nos seus braços. Ela desfrutava, de fato, o disputado privilégio de ser a sua garota favorita. Havia duas horas que o sol se pusera, mas a lua interna, tão mais brilhante e mais próxima que a Lua perdida da Terra, estava quase cheia, e a praia, meio quilômetro além, parecia banhada em sua luz gélida e azulada. Uma pequena fogueira queimava logo após a linha de palmeiras, onde uma festa continuava e o fraco som de música podia ser ouvido de tempos em tempos, erguendo-se sobre o suave murmúrio do propulsor a jato, que operava em sua força mínima. Kumar já alcançara seu objetivo principal e não tinha muita pressa de ir a qualquer outro lugar. Apesar disso, como bom marinheiro que era, ocasionalmente deixava os braços da moça para dizer algumas palavras de instrução ao piloto automático e fazer um rápido exame do horizonte. „Kumar falara a verdade”, pensou Carina extasiada. Havia alguma coisa bastante erótica no ritmo suave e regular de um barco ao sabor das ondas, principalmente quando amplificado pela cama inflável onde se deitavam. Depois disso, será que ela voltaria a se contentar com o amor feito em terra firme? E Kumar, ao contrário de outros jovens tarnianos, era surpreendentemente carinhoso e atencioso. Ele não era daqueles homens que se preocupam unicamente com sua própria satisfação, seu prazer não era completo a menos que fosse compartilhado. „Enquanto ele está dentro de mim”, pensou Carina, „eu me sinto como se fosse a única mulher em sua vida, mesmo sabendo perfeitamente que isso não é verdade.” Carina tinha á vaga impressão de que continuavam a afastar-se do vilarejo, mas não se importava. Ela queria que aquele momento durasse para sempre e não se importaria se o barco estivesse se dirigindo a toda velocidade para o mar aberto, sem nenhuma terra à frente até que circunavegassem o globo. Kumar sabia o que estava fazendo, em todos os sentidos. Parte do prazer de Carina vinha da confiança total que ele inspirava. Em seus braços ela não tinha problemas nem preocupações, o futuro não existia, apenas o presente, destituído de tempo. E, no entanto, o tempo passava, e agora a lua interna estava muito mais alta no céu. No período posterior à paixão, seus lábios ainda exploravam languidamente os territórios do amor quando o pulsar dos hidrojatos cessou e o barco flutuou até parar.