O que António Claro não sabe é que Maria da Paz não tem automóvel, que vai tranquilamente esperar o autocarro que a levará até perto do banco onde trabalha, afinal, o compêndio do perfeito detective, actualizado no que respeita a tecnologias de ponta, havia-se esquecido de que, dos cinco milhões de habitantes da cidade, alguns deveriam ter ficado para trás na aquisição de meios de locomoção próprios. A fila de espera tinha aumentado pouco, Maria da Paz entrou nela, e António Claro, para não ficar demasiado perto, deixou que lhe passassem à frente três pessoas, é certo que a barba postiça lhe tapa a cara, mas os olhos não, nem o nariz, nem as sobrancelhas, nem a testa, nem o cabelo, nem as orelhas. Alguém formado em doutrinas esotéricas aproveitaria para acrescentar a alma à lista do que uma barba não tapa, mas sobre esse ponto faremos silêncio, por nossa causa não se agravará um debate inaugurado mais ou menos no princípio dos tempos e que tão cedo não acabará. O autocarro chegou, Maria da Paz ainda conseguiu encontrar um lugar livre, António Claro irá de pé na coxia, lá para trás. Foi melhor assim, pensou, viajaremos juntos.