Passou-me a carta que acabara de receber do mensageiro.
- Que é isso?! - exclamei, quando pus meus olhos nela. - É terrível!
- Parece um tanto fora do comum. Você se importa de ler em voz alta para mim?
Esta foi a carta que li para ele:
Caro Sr. Sherlock Holmes,
Houve uma grave ocorrência esta noite, em Lauriston Gardens, 3, perto de Brixton Road.
Nosso policial de ronda viu uma luz nessa casa por volta das duas da manhã e, como a residência não estivesse habitada, suspeitou que houvesse algo errado.
Encontrou a porta aberta e, na sala da frente, vazia de qualquer móvel, encontrou o corpo de um cavalheiro bem vestido, cujos cartões de visita no bolso traziam o nome de “Enoch J. Drebber, Cleveland, Ohio, U.S.A. “.
Não houve roubo nem qualquer evidência sobre a maneira como o homem morreu. Há marcas de sangue na sala, mas o corpo não apresenta ferimentos. Não sabemos o que ele fazia numa casa desocupada. A história toda é um enigma. Se puder ir até a casa antes das doze horas, poderá me encontrar lá. Deixei tudo como estava, até ter notícias suas. Se não puder vir, mandarei maiores detalhes e serei muito grato se tiver a bondade de manifestar sua opinião.
Atenciosamente,
Tobias Gregson
- Gregson é o homem mais esperto da Scotland Yard - observou meu amigo. - Ele e Lestrade são os únicos que valem alguma coisa naquela corporação. São rápidos e enérgicos, mas convencionais... tremendamente convencionais. E rivalizam um com o outro. São ciumentos como um par de beldades profissionais. Vai ser divertido se ambos tiverem sido designados para o caso.
Eu estava espantado com a calma com que ele sussurrava essas palavras.
- Sem dúvida, não há um momento a perder - exclamei. - Chamo um carro para você?
- Não estou certo se devo ir ou não. Sou o sujeito mais preguiçoso que já pisou neste mundo... Isto é, às vezes, porque noutras sou bastante ativo.
- Ora, mas esta é a oportunidade que você tanto esperava!
- Meu querido amigo, que diferença fará para mim? Suponha que eu venha a desvendar o caso todo.
Pode estar certo de que Gregson, Lestrade & Companhia irão faturar todo o crédito. É o que acontece quando não se é um investigador oficial.
- Mas ele está pedindo sua ajuda.
- Sim. Ele sabe que sou superior a ele; reconhece isso. Mas seria capaz de cortar a própria língua antes de admiti-lo diante de uma terceira pessoa. Mesmo assim, vamos dar uma espiada lá. Vou trabalhar a meu modo. Se não der em nada, pelo menos vou rir deles. Vamos lá!
Vestiu o sobretudo, movendo-se de maneira a deixar claro que a apatia cedera lugar a uma enérgica disposição.
- Pegue seu chapéu - disse.
- Você quer que eu vá?
- Sim, se você não tem nada melhor para fazer.
Um minuto depois, estávamos em um carro e, a toda velocidade, rumávamos para Brixton Road.
A manhã era sombria e nebulosa e um véu castanho pairava sobre os telhados como se fosse o reflexo das ruas lamacentas sob ele. Meu companheiro estava com ótima disposição e falava sobre violinos de Cremona e a diferença entre um Stradivarius e um Amati.
Quanto a mim, ia calado, porque o mau tempo e o melancólico assunto em que estávamos envolvidos me deprimiam.
- Você não parece dar muita importância ao assunto que tem pela frente - falei finalmente, interrompendo a explanação musical de Holmes.
- Não tenho dado nenhum - respondeu. – É um grande erro teorizar antes de ter todos os indícios. Prejudica o raciocínio.
- Você terá seus dados em breve - observei, apontando com o dedo. - Aqui é Brixton Road e, se não estou enganado, a casa é aquela.
- É aquela. Pare, cocheiro, pare!
Estávamos a uns cem metros aproximadamente do local, mas ele insistiu em descer ali mesmo, de modo que completamos o percurso a pé.
A casa número três de Lauriston Gardens tinha uma aparência fatídica e ameaçadora. Era uma entre quatro casas construídas um pouco afastadas da rua.
Duas delas estavam ocupadas; duas permaneciam sem moradores. A de número três espiava a rua por três fileiras de janelas tristes e vazias, que seriam ainda mais desoladoras e funestas, não fossem os cartazes de “Aluga-se” que, como cataratas, cobriam algumas das vidraças turvas. Um pequeno jardim em que árvores anêmicas haviam sido salpicadas, distantes umas das outras, separava cada casa da rua. Atravessava-o uma senda estreita e amarelada, feita com o que parecia ser uma mistura de saibro e argila. A chuva durante a noite deixara o lugar lamacento e úmido.
O jardim era cercado por uma parede de tijolos de mais ou menos um metro, encimada por um gradeado de madeira. Contra essa parede, recostava-se um forte policial, cercado por um pequeno grupo de desocupados que aguçavam os olhos e espichavam os pescoços na esperança vã de perceber numa olhadela o que acontecia no interior.