Não sabia onde desejava chegar, de modo que continuei como se não tivesse escutado:
— Até que resolveu pagar na mesma moeda, encontrar um deus ou um homem e levar para a cama. Será que não podemos parar um pouco e tomar um café?
Mas Athena acabara de entrar em uma loja de
— Esta é bonita? — me perguntou, mostrando um provocante conjunto de calcinha e sutiã da cor da pele, feito em tricô.
— Muito. Quando estiver usando, alguém vai ver?
— Claro — ou você acha que sou santa? Mas continue o que estava mesmo dizendo sobre Hera.
— Zeus ficou assustado com seu comportamento. Mas agora, já independente, Hera pouco se preocupava com seu casamento. Você tem mesmo um namorado?
Ela olhou para os lados. Só quando viu que o menino não podia escutar-nos, foi que respondeu de maneira monossilábica:
— Tenho.
— Nunca vi.
Foi até a caixa, pagou a
300
— Viorel está com fome, e tenho certeza que não se interessa por lendas gregas. Termine a história de Hera.
— Tem um final meio tolo: com medo de perder sua amada, fingiu que se casava de novo. Quando Hera soube, entendeu que as coisas estavam indo longe demais — aceitava amantes, mas o divórcio seria impensável.
— Nada de original.
— Resolveu ir até o lugar onde a cerimônia seria realizada, criar um escândalo, e foi só então que se deu conta que ele estava pedindo a mão de uma estátua.
— O que fez Hera?
— Riu muito. Isso quebrou o gelo entre os dois, e ela tornou a ser a rainha dos céus.
— Ótimo. Se isso algum dia acontecer com você...
— ... o quê?
— Se seu homem arranjar uma outra mulher, não se esqueça de rir.
— Eu não sou uma deusa. Seria muito mais destruidora.
Por que nunca vi seu namorado?
— Porque ele está sempre muito ocupado.
— Onde o conheceu?
Ela parou, com a
— Conheci no banco onde trabalhava, ele tinha uma conta ali. E agora desculpe: meu filho está me esperando. Você tem razão, ele pode perder-se entre estas centenas de pessoas, se eu não der toda a atenção necessária. Teremos um encontro lá em casa na semana que vem; claro que você está convidada.
— Eu sei quem organizou.
Athena me deu dois beijos cínicos no rosto, e foi embora; pelo menos, tinha entendido minha mensagem.
Naquela tarde, no teatro, o diretor veio dizer que estava irritado com meu comportamento: eu havia organizado um grupo para visitar aquela mulher. Expliquei que a idéia não partira de mim — Heron ficara fascinado com a história do umbigo, 301
e me perguntou se alguns atores estariam dispostos a continuar a tal conferência que havia sido interrompida.
— Mas ele não manda em você.
Claro que não, mas a última coisa que desejava neste mundo era que fosse sozinho à casa de Athena.
Os atores estavam já reunidos, mas, em vez de outra leitura da nova peça, o diretor resolveu mudar o programa.
— Faremos hoje mais um exercício de psicodrama (
Não havia necessidade; todos nós já sabíamos como os personagens se comportariam nas situações colocadas pelo autor.
— Posso sugerir o tema?
Todos se viraram para mim. Ele parecia surpreso.
— O que é isso, uma rebelião?
— Escute até o final: criaremos uma situação onde um homem, depois de lutar muito, consegue reunir um grupo de pessoas para celebrar um rito importante na comunidade. Digamos, algo que tenha a ver com a colheita do próximo outono. Entretanto, chega uma estrangeira na cidade, e por causa da sua beleza e das lendas que correm sobre ela — dizem que é uma deusa disfarçada, o grupo que o bom homem tinha reunido para manter as tradições de sua aldeia logo se dispersa, e vai encontrar-se com a recém-chegada.
— Mas isso nada tem a ver com a peça que estamos ensaiando! — disse uma das atrizes.
O diretor, porém, tinha entendido o recado.
— É uma ótima idéia, podemos começar.
E virando-se para mim:
— Andrea, você será a recém-chegada. Assim, pode compreender melhor a situação da aldeia. E eu serei o bom homem que tenta manter os costumes intactos. E o grupo será composto de casais que freqüentam a igreja, se reúnem aos sábados para trabalhos comunitários, e se ajudam mutuamente.
Deitamos no chão, relaxamos, e começamos o exercício —
que na verdade é muito simples: a pessoa central (neste caso, eu 302
mesma) vai criando situações, e os outros reagem à medida que são provocados.
Quando o relaxamento terminou, transformei-me em Athena. Na minha fantasia, ela corria o mundo como Satanás em busca de súditos para o seu reino, mas se disfarçava de Gaia, a deusa que sabe tudo e que tudo criou. Durante quinze minutos os
“casais” se formaram, se conheceram, inventaram uma história em comum onde existiam filhos, fazendas, compreensão e amizade.
Quando senti que o universo estava pronto, sentei-me em um canto do palco, e comecei a falar de amor.