O sonho tinha se afastado quando Wex regressou com a água. Theon lavou o suor e o sono do corpo e levou um tempo vestindo-se. Asha deixara-o à espera por bastante tempo; agora era sua vez. Escolheu uma túnica de cetim com riscas pretas e douradas e um belo justilho de couro com tachões de prata… e só então se lembrou de que sua maldita irmã depositava mais valor nas lâminas do que na beleza. Praguejando, arrancou a roupa e voltou a se vestir de feltro de lã negra e cota de malha. Em volta da cintura afivelou espada e punhal, lembrando-se da noite em que ela o tinha humilhado à mesa do pai.
Por último, colocou a coroa na cabeça, um aro de ferro frio, estreito como um dedo, cravejado de pesados fragmentos de diamante negro e pepitas de ouro. Era disforme e feia, mas nada havia a fazer. Mikken estava enterrado no cemitério, e o novo ferreiro era capaz de fazer pouco mais do que pregos e ferraduras. Theon consolou-se, recordando a si mesmo de que era apenas uma coroa de príncipe. Teria coisa muito melhor quando fosse coroado rei.
À porta, Fedor esperava com Urzen e Kromm. Theon juntou-se a ele. Naqueles dias, levava guardas consigo onde quer que fosse, até à latrina. Winterfell queria vê-lo morto. Na mesma noite em que voltaram do Água de Bolotas, Gelmarr, o Cruel, caiu alguns degraus e quebrou a coluna. No dia seguinte, Aggar apareceu com a garganta cortada de um lado a outro. Gynir Rednose tinha se tornado tão cauteloso que evitava o vinho, passara a dormir de cota de malha longa, touca e elmo, e adotara o mais barulhento cão que tinha encontrado nos canis, para que o avisasse caso alguém tentasse se esgueirar até o local onde dormia. Mesmo assim, uma manhã o castelo tinha acordado ao som dos latidos desenfreados do pequeno cão. Encontraram o cachorro correndo em volta do poço, e Rednose boiando nele, afogado.
Theon não podia deixar os assassinatos impunes. Farlen era um suspeito tão provável como qualquer outro. Tinha montado um julgamento, declarado o homem culpado e condenado-o à morte. Mas até isso havia corrido mal. Ao se ajoelhar junto ao cepo, o mestre dos canis dissera:
– O senhor Eddard cuidava sempre de suas mortes.
Theon tivera de empunhar ele próprio o machado para não parecer um fracote. Como suava, o cabo virou em suas mãos ao brandi-lo, e o primeiro golpe atingira Farlen entre os ombros. Foram necessários mais três golpes para cortar todos aqueles ossos e músculos e separar a cabeça do corpo, e depois Theon ficou mal, recordando todas as vezes que tinham se sentado à mesa, diante de uma taça de hidromel, conversando sobre cães e caça.
Os assassinatos pararam após a morte de Farlen, mas mesmo assim seus homens continuaram mal-humorados e ansiosos.
– Não temem nenhum inimigo em batalha aberta – Lorren Negro lhe dissera –, mas é diferente viver entre inimigos, sem nunca saber se a lavadeira quer beijá-lo ou matá-lo, ou se o criado está enchendo sua taça com cerveja ou veneno. O melhor que faríamos era sair deste lugar.
– Eu sou o Príncipe de Winterfell! – Theon gritara. – Este é o meu domínio, nenhum homem me arrancará daqui. Não, e mulher nenhuma também.
Foi encontrá-la no cadeirão dos Stark, desfazendo um capão com os dedos. O salão ressoava com as vozes de seus homens, compartilhando histórias com os de Theon enquanto bebiam juntos. Eram tão barulhentos que sua entrada quase passou despercebida.
– Onde estão os outros? – perguntou Fedor. Não havia mais de cinquenta homens nas mesas de montar, e a maior parte eram seus. O Grande Salão de Winterfell poderia ter acomodado dez vezes esse número.
– Isto é a companhia toda, senhor príncipe.
–
– Pelas minhas contas, vinte.
Theon Greyjoy encaminhou-se a passos largos para onde a irmã estava instalada. Asha ria de qualquer coisa que um de seus homens tinha dito, mas parou quando o viu aproximar-se.
– Ora, é o Príncipe de Winterfell – atirou um osso a um dos cães que andavam farejando pelo salão. Por baixo daquele bico de falcão que tinha como nariz, sua boca larga retorceu-se num sorriso de zombaria. – Ou será o Príncipe dos Tolos?
– A inveja cai mal a uma donzela.