Em terra, os braços dos grandes trabucos ergueram-se, um, dois, três, e uma centena de pedras subiu bem alto no céu amarelo. Cada uma era tão grande quanto a cabeça de um homem; quando caíram, jogaram para o alto grandes jorros de água, atravessaram pranchas de carvalho e transformaram homens vivos em ossos, polpa e cartilagem. Por toda a largura do rio, a primeira linha lutava. Âncoras foram arremessadas, espigões de ferro penetraram em cascos de madeira, homens saltaram sobre embarcações adversárias, grupos de flechas cruzaram-se na fumaça que pairava no ar, sussurrando, e homens morreram… Mas, até agora, nenhum dos seus.
O Betha Negra
avançou rio acima, com o som do tambor do mestre dos remadores trovejando na cabeça do capitão enquanto procurava uma boa vítima para o esporão do navio. O Rainha Alysanne estava encurralado entre dois navios de guerra Lannister, os três unidos por ganchos e cordas.– Velocidade de abalroamento!
– Davos gritou.As batidas de tambor fundiram-se num longo martelar febril, e o Betha Negra
voou, tornando a água branca como leite ao se abrir para sua proa. Allard tinha visto a mesma oportunidade; o Senhora Marya corria ao lado deles. A primeira linha havia se transformado numa confusão de lutas separadas. Os três navios enleados cresceram à frente do Betha, virando-se, com os conveses transformados num caos vermelho de homens que se golpeavam uns aos outros com espadas e machados. Um pouco mais, suplicou Davos Seaworth ao Guerreiro, faça-o rodar um pouco mais, mostre-me seu flanco.O Guerreiro devia estar ouvindo. Betha Negra
e Senhora Marya colidiram com o costado do Vergonha da Senhora a um instante de intervalo um do outro, golpeando sua proa e sua popa com tanta força que homens foram atirados do convés do Senhora de Seda, três navios depois. Davos quase cortou a língua quando seus dentes se entrechocaram. Cuspiu sangue. Da próxima vez feche a boca, imbecil. Quarenta anos no mar, e aquela havia sido a primeira vez que abalroara outro navio. Seus arqueiros estavam disparando flechas à vontade.– Recuar – ele ordenou. Quando o Betha Negra
reverteu o movimento dos remos, o rio penetrou no buraco estilhaçado que se formara, e o Vergonha da Senhora desfez-se diante de seus olhos, despejando dezenas de homens no rio. Alguns dos vivos nadaram; alguns dos mortos boiaram; aqueles vestidos de cota de malha pesada ou placa de aço afundaram, tanto os vivos como os mortos. As súplicas de homens que se afogavam ecoaram em seus ouvidos.Um relâmpago verde chamou sua atenção, em frente e para bombordo, e um ninho de serpentes esmeralda que se contorciam subiu, ardendo e silvando, da popa do Rainha Alysanne
. Um instante depois, Davos ouviu o terrível grito de “Fogovivo!”.Fez uma careta. Piche em chamas era uma coisa, fogovivo, outra bem diferente. Coisa maligna, e praticamente impossível de extinguir. Se for abafado sob um manto, este incendeia-se; se bater num respingo com a palma da mão, a mão toda fica em chamas. “Mije em fogovivo, e seu pau queima”, gostavam de dizer os velhos marinheiros. Em todo caso, Sor Imry prevenira-os de que era provável que viessem a experimentar um pouco da vil substância
dos alquimistas. Felizmente, restavam poucos verdadeiros piromantes. Ficarão rapidamente sem fogovivo, assegurara-lhes Sor Imry.Davos disparou ordens; os remos de um dos lados do navio o empurraram para a frente enquanto os do outro o puxavam para trás, e a galé virou-se. O Senhora Marya
também tinha se libertado, ainda bem; o fogo espalhava-se pelo Rainha Alysanne, e seus inimigos, mais depressa do que Davos teria acreditado ser possível. Homens engrinaldados de chamas verdes saltavam na água, com guinchos que nada tinham de humano. Nas muralhas de Porto Real, catapultas de fogo vomitavam morte, e os grandes trabucos por trás do Portão da Lama atiravam pedregulhos. Um, do tamanho de um boi, caiu entre o Betha Negra e o Espectro, fazendo ambos os navios oscilar e ensopando todos os homens que se encontravam nos conveses. Outro, não muito menor, atingiu o Ousada Gargalhada. A galé de Velaryon explodiu como um brinquedo de criança derrubado de uma torre, espalhando lascas tão longas como o braço de um homem.