– Eu também tenho uma faca. Capitão Khorane deu-me de presente. – Puxou a adaga e colocou-a na mesa, entre eles. – Uma faca para arrancar o coração de Melisandre. Se é que ela tem um.
Salladhor Saan cuspiu um caroço de azeitona.
– Davos, bom Davos, não deve andar dizendo tais coisas, nem mesmo brincando.
– Não é brincadeira. Pretendo matá-la. –
– Essas são conversas perigosas, meu amigo – preveniu-o Salladhor Saan. – Acho que ainda está doente do mar. A febre cozinhou seu cérebro, sim. É melhor que vá para a cama para um longo descanso, até ficar mais forte.
– É um velho patife traiçoeiro, Salladhor Saan, mas um bom amigo mesmo assim.
O liseno afagou a pontiaguda barba prateada.
– Então ficará com este bom amigo, certo?
– Não, vou andando. – Tossiu.
– Andando? Olhe para si mesmo! Tosse, treme, está magro e fraco. Aonde irá andando?
– Para o castelo. Minha cama está lá, assim como o meu filho.
– E a mulher vermelha – disse Salladhor Saan com suspeita. – Ela também está no castelo.
– Ela também. – Davos voltou a enfiar a adaga na bainha.
– Você é um contrabandista de cebolas, o que sabe de ataques à surdina e punhaladas? E está doente, nem sequer consegue segurar a adaga. Sabe o que acontecerá com você, se for apanhado? Enquanto estávamos ardendo no rio, a rainha queimava traidores.
Davos não se surpreendeu.
– Tirou Lorde Sunglass das masmorras – adivinhou – e os filhos de Hubard Rambton.
– Exatamente, e queimou-os, tal como queimará você: se matar a mulher vermelha, vão queimá-lo por vingança, e se não a matar, vão queimá-lo pela tentativa. Ela cantará, e você gritará, e depois morrerá. E você acabou de voltar à vida!
– E foi esse o motivo – disse Davos. – Para fazer isso. Para pôr fim em Melisandre de Asshai e em todas as suas obras. Por que mais o mar teria me cuspido? Conhece a Baía da Água Cinzenta tão bem como eu, Salla. Nenhum capitão com bom senso levaria seu navio para passar entre as lanças do rei bacalhau, arriscando-se a ter o casco rasgado. O
– Um vento – insistiu Salladhor Saan em voz alta –, um mau vento, foi só isso. Um vento empurrou a embarcação mais para sul do que deveria.
– E quem enviou o vento? Salla, a Mãe falou comigo.
O velho liseno olhou-o pestanejando.
– Sua mãe está morta...
–
–
– Tenho vingança nas entranhas, Salla. Não deixa espaço para comida. Agora deixe-me ir. Por nossa amizade, deseje-me sorte, e deixe-me ir.
Salladhor Saan pôs-se em pé.
– Não é um amigo verdadeiro, estou aqui pensando. Quando estiver morto, quem trará suas cinzas e ossos à senhora sua esposa e lhe dirá que perdeu um marido e quatro filhos? Só o triste e velho Salladhor Saan. Mas, que assim seja, bravo sor cavaleiro, corra para a sepultura. Irei reunir seus ossos numa sacola e os darei aos filhos que deixa para trás, para que os tragam em saquinhos em volta do pescoço. – Brandiu uma mão zangada, com anéis em todos os dedos. – Vá, vá, vá, vá, vá.