— N~ao, meu velho, voc^e engana-se. Eu n~ao criei tirania. A tirania, que pode ter resultado da minha acc~ao de combate contra as ficc~oes sociais, 'e uma tirania que n~ao parte de mim, que portanto eu n~ao criei;
— Est'a bem… Concordo… Mas olhe que, por esse argumento, a gente quase que 'e levada e crer que nenhum representante das ficc~oes sociais exerce tirania…
— E n~ao exerce. A tirania 'e das ficc~oes sociais e n~ao dos homens que as encamam; esses s~ao, por assim dizer,
— Sim; voc^e tem raz~ao.
— 'O filho, o m'aximo, o m'aximo, o m'aximo que voc^e me pode acusar de fazer 'e de aumentar um pouco — muito, muito pouco — a tirania das ficc~oes sociais. O argumento 'e absurdo, porque, como j'a lhe disse, a tirania que eu n~ao devia criar, e n~ao criei, 'e outra. Mas nem mais um ponto fraco: 'e que, pelo mesmo raciocinio, voc^e pode acusar um general, que trava combate pelo seu pa'is, de causar ao seu pa'is o preju'izo do n'umero de homens
— Est'a muito bem… Mas olhe l'a outra coisa… O verdadeiro anarquista quer a liberdade n~ao s'o para si, mas tamb'em para os outros… Parece-me que quer a liberdade para a humanidade inteira…
— Sem d'uvida. Mas eu j'a lhe disse que, pelo processo que descobri que era o 'unico processo anarquista, cada um tem de libertar-se a si pr'oprio. Eu libertei-me a mim; fiz o meu dever simult'aneamente para comigo e para com a liberdade. Por que 'e que os outros, os meus camaradas, n~ao fizeram o mesmo? Eu n~ao os impedi. Esse 'e que teria sido o crime, se eu os tivesse impedido. Mas eu nem sequer os impedi ocultando-lhes o verdadeiro processo anarquista; logo que descobri o processo, disse-o claramente a todos. O pr'oprio processo me impedia de fazer mais. Que mais podia fazer? Compeli-los a seguir o caminho? Mesmo que o pudesse fazer, n~ao o faria, porque seria tirar-lhes a liberdade, e isso era contra os meus principios anarquistas. Auxili'a-los? Tamb'em n~ao podia ser, pela mesma raz~ao. Eu nunca ajudei, nem ajudo, ningu'em, porque isso, sendo diminuir a liberdade alheia, 'e tamb'em contra os meus principios. Voc^e o que me est'a censurando 'e eu n~ao ser mais gente que uma pessoa s'o. Por que me censura o cumprimento do meu dever de libertar, at'e onde eu o podia cumprir? Por que n~ao os censura antes a eles por n~ao terem cumprido o deles?
— Pois sim, homem. Mas esses homens n~ao fizeram o que voc^e fez, naturalmente, porque eram menos inteligentes que voc^e, ou menos fortes de vontade, ou…