Читаем O homem duplicado полностью

Descobrimentos em fins-de-semana não são menos válidos e estimáveis do que aqueles que se produzam ou expressem em qualquer dos outros dias, os denominados úteis. Num caso como no outro, o autor do descobrimento informará do sucedido os ajudantes, se estes estavam a fazer horas extraordinárias, ou a família, se a tinha ali por perto, à falta de champanhe brindou-se ao feito com a garrafa de espumoso que esperava no frigorífico o seu dia, deram-se e receberam-se parabéns, anotaram-se os dados para a patente, e a vida, imperturbável, prosseguiu, depois de ter demonstrado uma vez mais que a inspiração, o talento ou o acaso não escolhem, para manifestar-se, nem dias nem lugares. Raros terão sido os casos em que o descobridor, por viver sozinho e trabalhar sem auxiliares, não teve ao seu alcance ao menos uma pessoa com quem partilhar a alegria de haver presenteado o mundo com a luz de um novo conhecimento. Mais extraordinária ainda, mais rara, se não única, é a situação em que se encontra neste momento Tertuliano Máximo Afonso, que não só não tem ninguém a quem comunicar que descobriu o nome do actor que é seu vivo retrato, como teria todo o cuidado em calar-se sobre o achado. De facto, não é imaginável um Tertuliano Máximo Afonso correndo a telefonar à mãe, ou a Maria da Paz, ou ao colega de Matemática, e dizer, em palavras atropeladas pela excitação, Descobri, descobri, o tipo chama-se Daniel Santa-Clara. Se há algum segredo na vida que ele queira conservar bem guardado, que ninguém possa nem sequer suspeitar da sua existência, é precisamente este. Pelo temor das consequências, Tertuliano Máximo Afonso está obrigado, talvez para todo o sempre, a guardar silêncio absoluto sobre o resultado das suas investigações, quer as da primeira fase, que hoje culminaram, quer as que venha a realizar no futuro. E está também obrigado, pelo menos até segunda-feira, à mais completa inactividade. Sabe que o seu homem se chama Daniel Santa-Clara, mas esse saber serve-lhe de tanto como ser capaz de dizer que uma certa estrela se chama Aldebarã e ignorar tudo dela. A empresa produtora estará fechada hoje e amanhã, nem vale a pena tentar comunicar por telefone, na melhor das suposições atendê-lo-ia um vigilante da segurança que se limitaria a dizer, Telefone na segunda-feira, hoje não se trabalha, Pensei que para uma produtora de cinema não houvesse domingos nem feriados, que filmassem todos os dias que Nosso Senhor manda ao mundo, sobretudo na primavera e no verão para não se perderem as horas de sol, alegaria Tertuliano Máximo Afonso a querer fazer durar a conversa, Esses assuntos não são da minha área, não são da minha competência, sou apenas um empregado da segurança, Uma segurança bem entendida deveria estar informada de tudo, Não me pagam para isso, É pena, Deseja mais alguma coisa, perguntaria impaciente o homem, Diga-me ao menos se sabe quem dá aí informações acerca dos actores, Não sei, não sei nada, já lhe disse que sou da segurança, telefone na segunda-feira, repetiria exasperado o homem, se é que não lhe sairia pela boca fora alguma das palavras grosseiras que a impertinência do interlocutor estava a justificar. Sentado na cadeira estofada, a que está em frente do aparelho de televisão, rodeado de cassetes, Tertuliano Máximo Afonso reconhecia consigo mesmo, Não há outro remédio, vou ter de esperar até segunda-feira para telefonar à produtora. Disse-o e nesse instante sentiu um aperto na boca do estômago, como um súbito medo. Foi rápido, mas a tremura subsequente ainda se prolongou por alguns segundos, como a vibração inquietante de uma corda de contrabaixo. Para não pensar no que lhe havia parecido uma espécie de ameaça, perguntou-se que poderia ele fazer no resto do fim-de-semana, o que ainda resta de hoje e todo o dia de amanhã, como ocupar tantas horas vazias, um recurso seria ver os filmes que faltam, mas isso não lhe forneceria mais informações, apenas veria a sua cara noutros papéis, quem sabe se um professor de dança, talvez um bombeiro, talvez um croupier, um carteirista, um arquitecto, um professor primário, um actor à procura de trabalho, a sua cara, o seu corpo, as suas palavras, os seus gestos, até à saturação. Podia telefonar a Maria da Paz, pedir-lhe que viesse vê-lo, amanhã se não pudesse ser hoje, mas isso significaria atar-se pelas suas próprias mãos, um homem que se respeite não pede ajuda a uma mulher, mesmo não o sabendo ela, para depois a mandar embora. Foi nesse momento que um pensamento que já havia assomado algumas vezes a cabeça por trás de outros com mais sorte, sem que Tertuliano Máximo Afonso lhe tivesse dado atenção, conseguiu passar de súbito ao primeiro lugar, Se tu fores à lista telefónica, disse, poderás saber onde ele vive, não precisarás de perguntar à produtora, e até, no caso de estares com disposição para isso, poderás ir ver a rua onde ele mora, e a casa, claro que deverás ter a prudência elementar de te disfarçares, não me perguntes de quê, isso é lá contigo.

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