Passava das cinco horas da tarde quando Tertuliano Máximo Afonso regressou a casa. Tanto tempo perdido, pensava enquanto abria a gaveta onde guardara a lista e duvidava entre De Braço Dado com a Sorte e Os Anjos também Bailam. Não chegará a pô-los no leitor de vídeos, por isso nunca virá a saber que o seu duplicado, aquele actor igualzinho a ele, como poderia ter dito Maria da Paz, fazia de croupier no primeiro filme e de professor de dança no segundo. De repente imitara-se com a obrigação que se havia imposto a si mesmo de seguir a ordem cronológica da produção, desde o mais antigo e por aí fora até ao mais recente, achou que não seria uma má ideia variar, quebrar a rotina, Vou ver A Deusa do Palco, disse. Não tinham passado dez minutos quando o seu sósia apareceu interpretando o papel de um empresário teatral. Tertuliano Máximo Afonso sentiu um choque na boca do estômago, muita coisa deveria ter mudado na vida deste actor para representar agora uma personagem que ia ganhando cada vez mais importância depois de ter sido, durante anos, fugazmente, empregado de recepção num hotel, caixa de banco, auxiliar de enfermagem, porteiro de buate e fotógrafo da polícia. Ao cabo de meia hora não aguentou mais, fez rodar a fita a toda a velocidade até ao final, mas, ao contrário do que esperava, não encontrou no elenco de actores nenhum dos nomes que tinha na lista. Voltou ao princípio, ao elenco principal, em que, pela força do costume, não tinha reparado, e viu. O actor que representa o papel de empresário teatral no filme A Deusa do Palco chama-se Daniel Santa-Clara.