– Suponho que é por isso que te queres tornar assistente social – diz, piscando-me o olho. – A menos que eu te consiga convencer a optar por uma carreira mais lucrativa.
Foi o meu último namorado que me convenceu a seguir a carreira da assistência social – para poder ajudar as pessoas necessitadas sem sair dos limites da lei. Tens sempre de ajudar toda a gente, Mille. É isso que adoro em ti. Ele compreendia-me verdadeiramente. Infelizmente, já não está por perto.
– Enfim – o Brock aperta-me os ombros. – Não pensemos mais em mulheres que foram assassinadas nos anos sessenta. Fala-me do teu novo emprego.
Ponho-o a par dos pormenores do impressionante apartamento dos Garrick. Quando lhe falo da vista, da localização e do segundo andar, solta um assobio baixinho.
– Esse apartamento deve ter custado uma fortuna – comenta, ao sairmos para a rua, evitando por pouco sermos abalroados por uma bicicleta. Tanto quanto consigo perceber, os ciclistas na cidade não têm o menor respeito pelos semáforos ou pelos peões. – Aposto que pagaram para aí vinte milhões. No mínimo.
– Uau. Achas?
– De certeza. É bom que te estejam a pagar bem.
– Estão. – Quando o Douglas discutiu o preço por hora, quase senti cifrões a saltar-me das órbitas.
– Como disseste que se chamava o tipo que te contratou?
– Douglas Garrick.
– Ei, é o diretor-executivo da Coinstock. – O Brock estala os dedos. – Estive com ele uma vez, quando contratou a minha firma para ajudar com uma patente. É um tipo genuinamente simpático.
– Sim. Pareceu simpático.
Pareceu realmente simpático. Mas não consigo parar de pensar naquela porta fechada no segundo andar. Na mulher que nem pôde sair para me conhecer. Por mais entusiasmada que esteja com este emprego, há algo nessa situação que me deixa inquieta.
– E sabes que mais? – o Brock puxa-me para uma passadeira. O semáforo está a piscar, prestes a ficar vermelho, e conseguimos atravessar mesmo a tempo. – O prédio fica apenas a uns cinco quarteirões de onde eu vivo.
Fica a dica.
Sabia da proximidade entre a penthouse e o apartamento do Brock, claro. Retorço-me, sentindo-me tão desconfortável como quando estava na sala de aula. O Brock tornou-se como um cão com um osso. Quer que eu vá viver com ele e não parece estar disposto a largar o assunto. Simplesmente não consigo sacudir a sensação de que, se realmente me conhecesse, não quereria tal coisa. Adoro estar com o Brock e não quero estragar tudo.
– Brock... – digo.
– Está bem, está bem – revira os olhos. – Olha, não te quero pressionar. Se não estás pronta para ir viver comigo, tudo bem. Mas, para que conste, acho que fazemos uma boa equipa. E, seja como for, já passas metade das tuas noites em minha casa, certo?
– Ahã – respondo, o mais evasivamente possível.
– Além do mais... – mostra-me os seus dentes brancos. – Os meus pais gostariam de te conhecer.
Pronto, agora vou ter de vomitar. Apesar de me andar a importunar para ir viver com ele, mesmo assim, não me passou pela cabeça que tivesse falado de mim aos pais. Mas é claro que falou. Provavelmente, liga-lhes uma vez por semana, aos domingos às oito da noite, para os pôr a par de todos os pormenores pertinentes da sua vida perfeita.
– Oh! – digo debilmente.
– E eu também gostaria de conhecer os teus – acrescenta.
Esta seria uma excelente altura para lhe dizer que estou de relações cortadas com os meus pais. Mas as palavras não saem.
É tão difícil. O último tipo com quem namorei sabia tudo sobre mim desde o início, por isso nunca tive de revelar o meu passado complicado – nunca houve um momento aterrador de pôr as cartas todas na mesa. E, como disse, o Brock é tão... perfeito.
As únicas coisas que não são perfeitas nele são pequenos pormenores insignificantes, como quando deixou o tampo da sanita levantado no meu apartamento. E mesmo isso é algo que só fez uma vez.
O problema do Brock é que está pronto para assentar. E eu, apesar de ter a mesma idade, ainda não cheguei a esse ponto. Além de que não quer esperar. Tem um ótimo emprego na melhor sociedade de advogados e ganha mais do que o suficiente para sustentar uma família. Apesar de a sua última visita ao cardiologista lhe ter passado um atestado de boa saúde, preocupa-o não chegar à longevidade expectável para um homem caucasiano neste país. Quer casar e ter filhos enquanto ainda os pode apreciar.
Eu, entretanto, sinto-me como se ainda estivesse em processo de crescimento. Ainda estudo, afinal. Não estou pronta para casar. Simplesmente... não posso.
– Está tudo bem. – Por um momento, para de caminhar e encara-me. Um homem que vinha a andar atrás de nós quase colide connosco e pragueja ao seguir o seu caminho. – Não te quero apressar. Mas preciso que saibas que sou louco por ti, Millie.
– Eu também sou louca por ti – respondo.
Toma-me as duas mãos nas suas enquanto me olha nos olhos.
– Na verdade, a modos que te amo.
O meu coração acelera um pouco. Já antes o tinha ouvido dizer que era louco por mim, mas nunca que me amava. Mesmo com um «a modos que» como atenuante.