— A lua cheia ilumina o suficiente, mesmo estando atrás das nuvens. Eduque seus olhos: eles foram feitos para enxergar além do que pensa.
Ela começou a fazer o que lhe pedi, volta e meia blasfemando porque havia tocado em um espinho. Quase meia hora se passou, e neste tempo não conversamos; eu sentia a emoção da presença da Mãe, a euforia de estar ali com aquela mulher que ainda parecia uma menina, que confiava em mim, que me fazia companhia nesta busca às vezes louca demais para a mente humana.
Athena ainda estava no estágio de responder perguntas, como havia respondido as minhas naquela tarde. Eu já tinha sido assim um dia, até deixar-me transportar por completo ao reino do mistério, apenas contemplar, celebrar, adorar, agradecer, e permitir que o dom se manifeste.
Olhava Athena catando os gravetos, e via a menina que um dia fui, também em busca de segredos velados, de poderes ocultos. A vida havia me ensinado algo completamente diferente: os poderes não eram ocultos, e os segredos já tinham sido revelados há muito tempo. Quando vi que a quantidade de gravetos era suficiente, pedi com um sinal que parasse.
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Procurei, eu mesma, galhos maiores, e os coloquei por cima dos gravetos; era assim a vida. Para que pegassem fogo, os gravetos deviam antes ser consumidos. Para que pudéssemos liberar a energia do forte, é preciso que o fraco tenha possibilidade de se manifestar.
Para que possamos entender os poderes que carregamos conosco, e os segredos que já foram revelados, antes era necessário deixar que a superfície — as expectativas, os medos, as aparências — fosse consumida. Então, entrávamos nesta paz que agora encontrava na floresta, com o vento soprando sem muita violência, a luz da lua por detrás das nuvens, os ruídos de animais que saíam à noite para caçar cumprindo o ciclo de nascimento e morte da Mãe, sem que jamais fossem criticados por seguir seus instintos e sua natureza.
Acendi a fogueira.
Nenhuma de nós duas sentiu vontade de dizer nada —
ficamos apenas contemplando a dança do fogo por um tempo que pareceu uma eternidade, e sabendo que, naquele momento, centenas de milhares de pessoas deviam estar diante de suas lareiras, em diversos lugares do mundo, independente do fato de terem em suas casas os mais modernos sistemas de aquecimento; faziam isso porque estavam diante de um símbolo.
Foi preciso um grande esforço para sair daquele transe, que embora não me dissesse nada de especifico, não me fizesse ver deuses, auras, ou fantasmas, me deixava no estado de graça que eu precisava tanto. Voltei a concentrar-me no presente, na moça ao meu lado, no ritual que precisava realizar.
— Como está sua discípula? — perguntei.
— Difícil. Mas, se não fosse assim, talvez eu não aprendesse o que preciso.
— E que poder ela desenvolve?
— Ela conversa com as entidades do mundo paralelo.
— Como você conversa com Hagia Sofia?
— Não. Você sabe que Hagia Sofia é a Mãe se
manifestando em mim. Ela conversa com os seres invisíveis.
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Eu já havia entendido, mas queria ter certeza. Athena estava mais calada do que o normal. Não sei se havia conversado com Andrea a respeito dos acontecimentos de Londres, mas isso não vinha ao caso. Levantei-me, abri a bolsa que carregava comigo, tirei um punhado de ervas especialmente escolhidas, e joguei nas labaredas.
— A madeira começou a falar — disse Athena, como se estivesse diante de algo absolutamente normal, e isso era bom, os milagres estavam agora fazendo parte de sua vida.
— O que ela está dizendo?
— No momento nada, são apenas ruídos.
Minutos depois ela ouvia uma canção vinda da fogueira.
— É tão maravilhoso!
Ali estava a menina, não mais a mulher ou a mãe.
— Fique como está. Não procure se concentrar, ou seguir meus passos, ou entender o que estou dizendo. Relaxe, sinta-se bem. Isso é tudo que às vezes podemos esperar da vida.
Ajoelhei-me, peguei um graveto em brasa, fiz um círculo à sua volta, deixando uma pequena abertura para que pudesse entrar. Eu também estava ouvindo a mesma música que Athena, e dancei ao seu redor — invocando a união do fogo masculino com a terra que agora o recebia de braços e pernas abertas, que tudo purificava, que transformava em energia a força contida dentro daqueles gravetos, troncos, seres humanos, entidades invisíveis. Dancei enquanto durou a melodia do fogo, e fiz os gestos de proteção à criatura que estava dentro do círculo, sorrindo.
Quando as chamas se extinguiram, peguei um pouco de cinza e aspergi na cabeça de Athena; em seguida, apaguei com os pés o círculo que fizera a sua volta.
— Muito obrigado — disse ela. — Senti-me querida, amada, protegida.
— Não esqueça disso nos momentos difíceis.
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— Agora que encontrei meu caminho, não existirão momentos difíceis. Creio que tenho uma missão a cumprir, não é isso?
— Sim, todos nós temos uma missão a cumprir.
Ela começou a ficar insegura.
— Você não me respondeu sobre os momentos difíceis.
— Não é uma pergunta inteligente. Lembre-se do que disse pouco antes: é amada, querida, protegida.
— Farei o possível.