Lá fora, uma lança rodopiante de luz jade saltou para as estrelas, enchendo o quarto com um clarão verde. Viu-o por um momento, todo negro e verde, com o sangue no rosto escuro como alcatrão, os olhos brilhando como os de um cão no súbito clarão. Então, a luz sumiu e ele se transformou apenas numa sombra pesada com um manto branco manchado.
– Se gritar, mato-a. Acredite – tirou a mão de sua boca. A respiração de Sansa estava entrecortada. Cão de Caça tinha posto um jarro de vinho na mesa de cabeceira. Bebeu um longo trago. – Não quer perguntar quem está vencendo a batalha, passarinho?
– Quem? – ela aquiesceu, demasiado assustada para contrariá-lo.
Cão de Caça soltou uma gargalhada.
– Só sei quem perdeu. Eu.
– Que foi que perdeu?
– Tudo – a metade queimada de seu rosto era uma máscara de sangue seco. – Maldito anão. Devia tê-lo matado. Há anos.
– Dizem que está morto.
– Morto? Não. Que se dane. Não o quero morto – atirou o jarro vazio para o lado. – Quero-o
– Embora? – ela tentou se libertar, mas a mão dele era de ferro.
– O passarinho repete tudo o que ouve.
– Para onde vai?
– Para longe daqui. Para longe dos incêndios. Acho que sairei pelo Portão de Ferro. Para algum lugar, qualquer lugar, para o norte.
– Não sairá – Sansa o avisou. – A rainha fechou Maegor e os portões da cidade também estão fechados.
– Para mim, não. Tenho o manto branco. E tenho
– Por que veio até aqui?
– Prometeu-me uma canção, passarinho. Já se esqueceu?
Sansa não sabia o que ele queria dizer. Não podia cantar para ele naquele momento, ali, com o céu num turbilhão de fogo e homens morrendo às centenas e aos milhares.
– Não posso – ela respondeu. – Largue-me. Está me assustando.
– Tudo a assusta. Olhe para mim.
O sangue tapava o pior de suas cicatrizes, mas os olhos estavam brancos, dilatados e aterrorizadores. O canto queimado de sua boca torceu-se e voltou a se torcer. Sansa conseguia cheirá-lo; um fedor de suor, vinho amargo e vômito seco, e, por cima de tudo, o cheiro nauseabundo de sangue, sangue, sangue.
– Podia mantê-la a salvo – ele disse com sua voz áspera. – Todos têm medo de mim. Ninguém voltaria a lhe fazer mal, caso contrário, eu os mataria – puxou-a para mais perto, e por um momento ela pensou que pretendesse beijá-la. Era forte demais para resistir. Fechou os olhos, desejando que se apressasse, mas nada aconteceu. – Ainda não suporta olhar, não é? – ouviu-o dizer. Torceu seu braço com força, fazendo-a virar-se e atirando-a na cama. – Eu quero essa canção. Falou de Florian e Jonquil – tinha o punhal desembainhado, apontado à sua garganta. – Cante, passarinho. Cante por sua pequena vida.
Sansa tinha a garganta seca e apertada de medo, e todas as canções que aprendera tinham fugido de sua cabeça.
Gentil Mãe, de clemência fonte,
nossos filhos livre da disputa,
pare espadas, pare flechas,
deixe-os ver um melhor dia.
Gentil Mãe, das mulheres força,
ajude nossas filhas nesta luta,
acalme a ira, dome a fúria,
ensine a todos outra via.
Tinha se esquecido dos outros versos. Quando a voz se desvaneceu, temeu que ele pudesse matá-la, mas após um momento Cão de Caça tirou a lâmina de sua garganta, sem uma palavra.
Um instinto qualquer fez Sansa levantar a mão e pousá-la no rosto dele. O quarto estava escuro demais para que o visse, mas sentiu o sangue pegajoso e uma umidade que não era sangue.
– Passarinho – ele voltou a falar, com a voz dura e áspera como aço riscando pedra. Então, levantou-se da cama. Sansa ouviu pano rasgando-se, seguido pelo som mais suave de passos que se afastavam.
Quando se arrastou para fora da cama, longos momentos mais tarde, estava só. Encontrou o manto dele no chão, muito torcido, com a lã branca manchada de sangue e fogo. A essa altura, o céu lá fora estava mais escuro, apenas com alguns pálidos fantasmas verdes dançando diante das estrelas. Soprava um vento gelado, fazendo as venezianas baterem. Sansa sentiu frio. Sacudiu o manto rasgado e enrolou-se debaixo dele no chão, tremendo.