Embrulho-me no meu roupão de felpa, sem me dar ao trabalho de calçar uns chinelos. Deixo um rasto de pequenas pegadas molhadas até à cozinha, que é apenas uma continuação da sala de estar. No mega apartamento dos Degraw, a cozinha, a sala de estar e a sala de jantar eram todas divisões separadas. Neste apartamento, porém, fundiram-se numa única divisão polivalente que, ironicamente, é muito mais pequena do que qualquer das salas da casa dos Degraw. Até a casa de banho de lá é maior do que todo o meu espaço de habitação.
Ponho uma panela de água ao lume para ferver. Não sei o que vou fazer para o jantar, mas provavelmente será algum tipo de massa cozida, seja
Hesito, apertando o cinto do meu roupão à volta da cintura. Tiro uma caixa de esparguete do armário.
– Millie! – a voz soa abafada atrás da porta. – Deixa-me entrar, Millie!
Estremeço. Oh, não!
E então...
– Eu sei que estás aí!
3
Não posso ignorar o homem aos murros à minha porta.
Os meus pés deixam atrás de si um rasto de pegadas molhadas enquanto atravesso os poucos metros até à porta. Aproximo a minha vista ao óculo. Está um homem parado do outro lado, de braços cruzados sobre os bolsos do peito do seu fato de trabalho da
– Millie – a voz tornou-se um rosnido grave. – Deixa-me entrar.
Afasto-me um passo da porta. Por um momento, levo as pontas dos dedos às têmporas. Mas isto é inevitável – tenho de o deixar entrar. Assim, estendo a mão, abro o ferrolho, rodo a chave na fechadura e entreabro cuidadosamente a porta.
– Millie. – Abre o resto da porta e desliza para dentro de minha casa. Os seus dedos rodeiam-me o braço. – Que raio?
Deixo descair os ombros.
– Desculpa, Brock.
Brock Cunningham, com quem tenho andado a sair desde há seis meses, lança-me um olhar.
– Tínhamos planos para jantar esta noite. Não apareceste. E não respondes às mensagens nem atendes o teu telemóvel.
Tem razão em todos os aspetos. Sou basicamente a pior namorada de sempre. Era suposto eu e o Brock encontrarmo-nos num restaurante em Chelsea depois de eu terminar as minhas aulas por hoje, mas, depois de Amber me ter despedido, mal me conseguia concentrar nas aulas – e não me apetecia certamente jantar fora – pelo que vim simplesmente direita a casa. Ainda assim, sabia que se ligasse ao Brock a dizer que não queria ir, sentir-se-ia obrigado a convencer-me – e, enquanto advogado, é superconvincente. Por isso, tinha o plano de lhe enviar uma mensagem de texto a desmarcar, mas fui adiando, e depois estava tão ocupada a sentir pena de mim mesma que me esqueci por completo.
Como disse, pior namorada de sempre.
– Desculpa – repito.
– Estava preocupado contigo – diz. – Pensei que talvez algo terrível te tivesse acontecido.
– Porquê?
Uma sirene ensurdecedora faz-se ouvir do lado de fora da janela, e o Brock olha para mim como se eu tivesse feito uma pergunta muito estúpida. Sinto uma pontada de culpa. Provavelmente, o Brock tinha montes de coisas para fazer esta noite, e eu não só o fiz esperar por mim no restaurante como um idiota, como também o fiz desperdiçar o resto da noite a vir até ao sul do Bronx para se certificar de que eu estava bem.
No mínimo dos mínimos, devo-lhe uma explicação.
– A Amber Degraw despediu-me – digo. – Portanto, estou basicamente lixada.
– A sério? – arqueia as sobrancelhas. O Brock tem as sobrancelhas mais perfeitas que eu alguma vez vi num homem, e estou convencida de que as deve arranjar profissionalmente, ainda que jamais admita tal coisa. – Por que te despediu? Pensava que tinhas dito que não podia funcionar sem ti. Disseste que estavas basicamente a criar-lhe a filha.
– Exato – respondo. – A miúda não parava de me chamar mamã e a Amber passou-se.
O Brock fita-me por um momento. Depois, inesperadamente, desata a rir. De início, fico ofendida. Acabo de
perder o meu emprego. Será que não percebe o quanto isso é uma treta?
Mas então, passado um segundo, dou por mim a juntar-me ao riso. Atiro a cabeça para trás e rio-me do ridículo de toda a situação. Lembro-me da Olive a estender os braços para mim e a soluçar «mamã» enquanto a Amber ficava cada vez mais furiosa. Pensei seriamente que lhe ia rebentar um aneurisma no cérebro.
Passado um minuto, estamos ambos a limpar as lágrimas dos olhos. O Brock envolve-me nos seus braços e puxa-me para si, não mais zangado por o ter deixado pendurado. Não se zanga facilmente. A maioria das pessoas contaria isso entre as suas qualidades, embora haja alturas em que eu gostaria que mostrasse um pouco mais de paixão.
De modo geral, porém, estamos no ponto ideal do nosso relacionamento. Seis meses. Haverá melhor altura numa relação do que os seis meses? Sinceramente, não sei, porque é apenas a segunda vez que atinjo esse marco. Mas parece-me que os seis meses são aquela fase perfeita em que largamos o constrangimento do início da relação, mas ainda estamos a mostrar um ao outro o nosso melhor lado.