Читаем A Mão do Diabo полностью

"Temos de sair daqui", atirou, entrando apressadamente no apartamento. "E o mais depressa possível!..."

O amigo desviara-se para o deixar passar e, enquanto fechava a porta, lançou-lhe um olhar inquisitivo.

"Que se passa?"

O recém-chegado correu até à sala e, afastando ligeiramente a cortina, espreitou para o exterior. O Mediterrâneo era visível da sala, e em particular o enorme paquete que se afastava em direcção à linha do horizonte, proveniente da vizinha Villefranche-sur-Mer, mas Hervé ignorou-o e concentrou-se antes no que se passava na rua lá em baixo.

"Acho que me viram."

A informação arrancou um esgar intrigado ao amigo.

"Porque dizes isso?"

Hervé não largou a janela, varrendo a rua em busca de qualquer movimento suspeito que confirmasse os seus receios; precisava de ter a certeza de que não fora seguido.

"Dei com um homem na Prom a tirar fotografias na minha direcção. Quando se apercebeu de que o topei virou-se para o lado e disfarçou."

9

"Que tipo de homem? Como estava vestido?"

"Era um gajo com calções brancos e um pólo azul do Yacht Club do Mónaco."

O amigo pôs as mãos na ilharga e inclinou a cabeça numa postura de repreensão.

"Ah, meu grande camelo!", exclamou num tom de repreensão paternal. "Andas mais nervoso que uma barata, hem? Zut alors, até um simples turista te põe a tremer de cagufa!" Fez uma careta de escárnio. "Não imaginava que vocês lá em Paris tinham medo dos turistas!..."

O parisiense desprendeu o olhar da cortina e voltou-se para o seu interlocutor.

"Escuta, Éric, o tipo estava a espiar-me!"

Éric sorriu sem humor.

"A sério? Um espião de calções e pólo do Yacht Club? Deixa cá ver... seria o zero zero oito? Porque não o Arsène Lupin?" Abanou a cabeça. "Deves estar a gozar comigo..."

"A roupa era um disfarce."

O sorriso do amigo transformou-se numa gargalhada.

"Tu sabes lá o que é um disfarce", exclamou Éric, passando os dedos pelos cabelos grisalhos. "Quando eu era estudante e enfrentei a polícia lá na Sorbonne, em Maio de 68, no tempo dos comunas e da Indochina e da Argélia e daquela loucura toda, aí é que havia espionagem a sério." Fez um gesto displicente para a janela. "O que tu viste, meu caro, não passou de um turista a fotografar a Prom ao anoi-tecer. Haverá coisa mais normal em Nice?" Virou as costas e dirigiu-se ao corredor. "Acho que este caso está a dar-te cabo dos nervos. Anda, vem daí e acalma-te."

Sentindo-se de repente ridículo, Hervé hesitou; talvez o amigo tivesse razão, o caso estava de facto a torná-lo paranóico. "Achas mesmo que era um turista?"

Éric nem olhou para trás.

10

"Vamos, anda daí", insistiu num tom paternal. "Temos muito trabalho pela frente."

A descontracção do parceiro deixou Hervé desconcertado.

Momentos antes teria jurado pela saúde dos seus filhos que o homem dos calções o estava a vigiar, mas agora já não se sentia assim tão certo. No fim de contas talvez Éric tivesse razão, o homem dos calções não passava provavelmente de um turista encantado com a Promenade des Anglais, e ele, sentindo-se acossado e nervoso com o trabalho que andavam a fazer, vira uma ameaça onde ela não existia. Que tolo!

Ainda pensou em espreitar uma última vez pela janela, mas concluiu que tudo aquilo era de facto uma completa idiotice e, vencendo a hesitação, meteu pelo corredor do apartamento e foi no encalço de Éric; havia realmente muito trabalho pela frente.

Fez mal, porque se tivesse seguido o seu instinto e olhado de novo para a rua provavelmente teria visto o homem dos calções e pólo azul do Yacht Club do Mónaco plantado na esquina a inspeccionar o edifício.

Além disso, o que era igualmente importante, teria percebido que o desconhecido não viera sozinho.

Os ecrãs dos portáteis estavam iluminados e enchiam-se de folhas de cálculo repletas de algarismos. Já estava na hora de jantar, mas Hervé e Éric encontravam-se de tal modo embrenhados na tarefa que tinham em mãos que nem deram pela passagem do tempo nem pelos protestos mudos dos seus estômagos; tudo o que parecia interessar-lhes eram os dígitos que enchiam os painéis dos computadores portáteis.

"Olha para isto", observou Éric, rompendo o mutismo para indicar um dos números registados no ecrã. "Não admira que tenhamos chegado onde chegámos!..."

O parisiense esticou o pescoço para o lado e espreitou o painel do portátil vizinho.

11

"Típico, hem?"

Voltaram a mergulhar nos números e o silêncio regressou ao apartamento,

apenas

rasgado

pelo

zumbido

manso

dos

computadores e pelo ocasional dedilhar nervoso do teclado. O

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