Passeou os olhos pelo espaço em redor e registou o caos em que se havia transformado a sala de estar. Não conseguia destrinçar o que se passava nas restantes divisões do apartamento, mas a barulheira era elucidativa e não lhe parecia difícil imaginar o que ali acontecia. Os intrusos esventravam os compartimentos e revistavam tudo o que havia para ver, espalhando pelo soalho roupas e livros e papéis e objectos de decoração e tudo o mais que encontravam nas gavetas e nas estantes.
14
Ao fim de meia hora, o homem dos calções e do pólo azul regressou à sala de estar e abeirou-se de Hervé.
"O DVD?"
O cativo abanou a cabeça.
"Qual DVD? Não sei o que..."
Duas estaladas, seguidas de um violento pontapé numa face, interromperam a resposta.
"Não te armes em parvo!", vociferou o agressor num tom carregado de ameaça. "Onde está o DVD?"
Hervé tentou encolher-se para se defender, mas estava demasiado bem amarrado e o mais que conseguiu foi virar a cabeça.
Sentia a face incendiada e o nariz a latejar, mas só percebeu que sangrava quando viu pingos vermelhos salpicarem a madeira do chão em sucessivos círculos imperfeitos.
"Eu... não sei...", balbuciou, "não sei do que... do que está o senhor a falar."
Apanhou com um novo pontapé na cara que lhe deve ter rebentado o lábio inferior, pois sentiu aí um pulsar intenso e doloroso.
"Fala, idiota! O DVD?"
O prisioneiro tentou responder, mas as primeiras palavras afogaram-se na garganta e não lhe saíram. Respirou fundo e voltou a concentrar-se.
"Por favor, pare com isso", murmurou, ofegante. "Não sei de nenhum DVD."
O homem dos calções fitou-o durante uns longos cinco segundos, como se tentasse decidir se o indivíduo amarrado diante dele dizia a verdade ou mentia, e, talvez convencido, ou se calhar apenas mudando de táctica, acabou por se dirigir ao segundo prisioneiro. Encarou Éric de pernas abertas e olhar carrancudo, como um toureiro a preparar-se para o embate.
"O DVD?"
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Foi a vez de o cativo mais velho se encolher.
"Não sei."
O homem dos calções pontapeou sucessivamente o segundo prisioneiro, empregando ainda maior selvajaria do que quando agredira Hervé. Éric tinha todo o tronco atado às costas da cadeira e a cabeça absolutamente desprotegida. Quando as agressões pararam, a cara do segundo prisioneiro cobrira-se de sangue e de hematomas, a testa tão inchada da parte direita que quase lhe tapava o olho.
"O DVD?", insistiu o interrogador. "Onde está a porra do DVD?"
Mas a cabeça de Éric estava caída, como a de uma marioneta abandonada pelo manipulador, e o prisioneiro parecia à beira de perder a consciência; era evidente que a agressão o tinha deixado incapaz de responder. O
homem dos calções praguejou de frustração e, com gestos repentinos, foi buscar um computador e começou a montá-lo sobre a mesa que ocupava o centro da sala.
A ligação visual através do Skype levou dez minutos a ser estabelecida. Hervé passou esse tempo a estudar maneiras de escapar daquela armadilha, mas depressa percebeu que não havia fuga.
Estava demasiado bem amarrado e, mesmo que se conseguisse libertar, teria de enfrentar os cinco desconhecidos, três deles muito corpulentos. A verdade é que se encontravam à mercê daqueles homens.
O ecrã do computador animou-se e um vulto difuso apareceu por fim na imagem. O agressor fez uma vénia.
"Poderoso Magus, preciso da tua preciosa orientação."
Hervé tentou destrinçar as feições do homem que aparecera em linha, mas o ecrã estava de lado e só lhe ouvia a voz.
"Então, Balam?", perguntou o vulto. "Que se passa? Apanhaste Dupond e Dupont?"
"Sim, estão aqui."
"E o DVD? Já o tens?"
16
"Não."
O homem dos calções e do pólo azul respondeu em voz baixa, quase a medo; sabia que tinha razões para isso.
"Tu garantiste-me que me trazias o DVD!", rosnou o homem no Skype. "Não te atrevas a quebrar a promessa!..."
"Não, poderoso Magus, fique descansado", apressou-se Balam a responder, com gotas de suor a descerem em ziguezague pela testa.
Hesitou, na dúvida sobre como expor o problema. "É que... já os interroguei e eles dizem que não sabem do que estou a falar. Será possível?"
"Claro que não", retorquiu Magus. "Os tipos estão a mentir. Tens de os apertar melhor."
Balam desviou o olhar para Éric, que permanecia atordoado depois do ataque selvagem a que fora submetido, e respirou fundo.
"Só se for o mais novo", constatou. "O velhote já não está em condições de falar."
O vulto no ecrã emudeceu por uns instantes, decerto a ponderar o melhor caminho.
"Elimina um", sentenciou num tom gélido. "Isso fará o outro cantar que nem um canário."