— O fogo encobriria a nossa fuga, Hiraga.
— Um pouco, talvez — disse Hiraga, irritado —, mas não uma tentativa de incendiar toda Iocoama.
Seu cérebro ainda oscilava e ele não tinha ainda outra solução que não seu plano final e nenhum meio de pô-lo em execução sem a ajuda de Taira e da remoção da pressão de Yoshi em seu pescoço.
— Amanhã, ou no dia seguinte, pode...
— Esta noite — insistiu Takeda, mal conseguindo conter sua ira. — Esta noite é uma dádiva, os deuses nos falam!
— Nesta época do ano, o vento vai se prolongar. Precisamos de mais homens para incendiar a colônia. Um de nós deve ir a Iedo para buscá-los. Takeda, você poderia ir.
— Como? Você mesmo disse que os vigilantes estão por toda parte. Como?
— Não sei, Takeda. — Trêmulo, Hiraga levantou-se. — Esperem até eu voltar, e depois poderemos decidir. Falarei com Raiko, direi a ela que partiremos amanhã... não será assim, mas direi isso.
— Ela não mais merece confiança.
— Já disse que ela nunca mereceu.
Hiraga saiu e foi encontrá-la.
— Muito bem, Hiraga-sama, vocês podem ficar.
Raiko já dominara o pânico, o conhaque no estômago, permitindo que o destino se tornasse o destino.
— Taira virá aqui esta noite?
— Não, nem amanhã. Mas
— Mande chamar Taira. Pode fazer isso, não pode?
— Posso, sim, mas o que direi quando ele chegar? — indagou Raiko, apática. No instante seguinte, ela teve um sobressalto, quando Hiraga declarou, os dentes semicerrados:
— Diga a ele, Raiko, que Fujiko decidiu que não deseja mais assinar um contrato, que outro
— Mas o preço do contrato de Fujiko já é fantástico, bom demais, e ele não é nenhum tolo. Vai comparar os preços e o perderei para outra casa. Ele até já visitou algumas. Vou perdê-lo.
— Vai perder a cabeça, se a confusão em que se meteu não for resolvida e o resto do seu corpo bem-alimentado servirá de comida aos peixes.
— Resolver o problema? — Raiko se tornou toda atenção. — Há alguma possibilidade, Hiraga-sama? Tenho uma chance? Conhece algum meio?
— Faça o que eu mandar e talvez eu possa salvá-la. Mande chamar Taira agora.
Hiraga fitou-a com a maior frieza e voltou para junto dos companheiros. Estavam na varanda, observando os arbustos serem inclinados pelo vento.
— Estamos seguros, por um ou dois dias. Takeda disse, desdenhoso:
— Ela nem imagina que está morta, e hoje à noite Iocoama também morrerá será purificada dos vermes.
— Vamos adiar por um dia. Amanhã à noite será melhor.
A ira de Takeda começou a voltar.
— Por quê?
— Quer uma chance de escapar? Desfechar o golpe da morte, mas continuai vivo para apreciá-lo? Todos nós? Concordo com você que o momento chegou. Tem razão nesse ponto, Takeda. Mas amanhã me dá tempo para planejar.
Depois de um momento, Takeda exclamou:
— Akimoto!
— Vamos concordar com o adiamento. Para escapar também... Hiraga é sábio, Takeda,
O silêncio tornou-se imenso.
— Adiamento. Um dia. Concordo.
Takeda levantou-se, seguiu para seu esconderijo, na casa de chá mais próxima. Uma pausa prolongada e Hiraga sugeriu:
— Akimoto, daqui a pouco vá sentar com ele, tranqüilizá-lo.
— Ele é Satsuma, primo. Katsumata era Satsuma. Hiraga olhou para os arbustos, inclinados pelo vento sul.
— Sente com ele. Tranqüilize-o.
Tyrer ficou transtornado.
— Não contrato, Raiko-san?
— Não, sinto muito. Fujiko mudou de idéia e recebeu uma oferta muito melhor. Sinto muito, mas ela está intransigente.
— Por favor? — suplicou ele, não entendo a maior parte das palavras em japonês.
Ela repetiu e acrescentou:
— Foi por isso que pedi para vê-lo com urgência. Sinto muito. Ela não vai vê-lo, nem esta noite, nem nunca.
A sensação de Tyrer era de que mergulhava num poço sem fundo. Interrogou-a em seu japonês mais polido e melhor, mas Raiko sacudiu a cabeça.
— Sinto muito — disse ela, encerrando a conversa e fazendo uma reverência para dispensá-lo. — Boa noite, Taira-sama.
Como se estivesse embriagado, Tyrer saiu para a varanda. A porta de
— O que aconteceu?
Três dias atrás, quando voltara com Babcott de Iedo, tudo estava perfeito, o contrato acertado, a não ser por um pequeno detalhe, o pagamento seria efetuado dentro de uma semana. Sua conta anterior fora liquidada com sorrisos e reverências, Fujiko mais amorosa e mais doce do que nunca naquela noite. Quando Raiko enviara um criado à casa que ele partilhava com Babcott, pedindo uma reunião urgente, ele presumira, divertido, que era apenas para assinar o documento. Enviara uma mensagem antes, avisando que provavelmente não poderia ir naquela noite, nem estaria disponível no dia seguinte, pois teria de ir a Kanagawa. E, agora, aquilo...
— Não entendo...