Hiraga saiu, com cara de furioso. Tyrer espiou por uma janela lateral. Ninguém à vista, apenas os arbustos balançando, o cheiro de maresia no ar... fuja enquanto tem chance, ele disse a si mesmo, mas depois, subitamente, experimentou desesperada vontade de urinar. Usou o balde no banheiro e sentiu-se melhor. Agora estava com fome. E com sede. Olhou ao redor. Não havia bule de chá nem um cântaro com água. A fome e a sede eram excruciantes... assim como a idéia de Hiraga. Não havia meio de satisfazer qualquer das coisas. Sem a benevolência de Sir William, Hiraga seria como uma criança perdida na selva. Nem mesmo Jamie poderia ser de grande valia, agora que deixara a Struan. E por que ele ou qualquer outra pessoa haveriam de ajudar? Não havia qualquer compensação. Tyrer tornou a espiar pela pequena janela.
Saia enquanto pode, pensou ele, e se encaminhou para a porta. Foi nesse instante que ouviu passos. Voltou apressado para a almofada. A porta de shoji foi aberta. Raiko ajoelhou-se na sua frente, enquanto Hiraga mantinha-se na porta, ameaçador.
— Desculpe, Taira-sama — disse Raiko, engasgando com as palavras, numa pressa abjeta para apaziguá-lo. — Sinto muito. Cometi um erro terrível...
Suas palavras foram como uma fonte. Tyrer não entendeu tudo, mas absorveu a mensagem com clareza.
— Já chega — disse ele, com firmeza. — Trazer contrato agora. Eu assinar. Submissa, ela tirou o pergaminho da manga e estendeu-o.
— Espere! — interveio Hiraga. — Dê-me isso!
Raiko obedeceu no mesmo instante e tornou a baixar a cabeça. Ele examinou o documento curto, soltou um grunhido.
— Estar conforme combinado, Taira-sama, você assinar mais tarde — disse ele, voltando a falar em inglês. — Esta pessoa,... — Ele apontou para Raiko, irado. — ...dizer cometer erro, dizer Fujiko suplicar agora honra receber você, sentir muito pelo erro. Erro dela.
Uma pausa e Hiraga acrescentou em japonês, a voz ríspida:
— Trate este lorde muito bem ou destruirei sua casa de chá! Cuide para que Fujiko esteja pronta, à espera! E agora vá!
—
Murmurando desculpas em profusão, Raiko se retirou. Quando se encontrava a uma distância segura, ela riu, satisfeita com seu desempenho, com o êxito da trama de Hiraga, e por ter fechado o negócio.
Tyrer, exultante, agradeceu a Hiraga, feliz demais para se preocupar com a maneira pela qual seu óbvio amigo conseguira promover uma mudança tão depressa. Nunca seremos capazes de compreender algumas coisas sobre os japoneses, refletiu ele.
— Assinarei o contrato e o trarei de volta amanhã.
— Não ter pressa, deixar aquela cadela de mulher esperar. — Hiraga sorriu e estendeu-lhe o pergaminho. — Agora eu levar você até Fujiko.
—
Tyrer fez uma reverência como a que um japonês ofereceria a alguém a quem devesse um considerável favor.
— Amigo ajudar amigo — disse Hiraga, simplesmente.
57
M
ais tarde, ainda naquela noite, Tyrer acordou, completamente satisfeito. Seu relógio marcava 9:20 h. Perfeito, pensou ele. Ficou deitado ao lado de Fujiko, mergulhada num sono profundo. Os futons e as colchas de plumas eram tão limpos e com um aroma tão suave quanto ela, quentes e confortáveis... muito melhor que sua cama, um colchão de palha duro, pesados cobertores de lã, com cheiro de umidade. A pele lustrosa de Fujiko era dourada à luz da vela, o pequeno quarto dourado e aconchegante, com o vento agitando o telhado, as telas deOutro breve cochilo, pensou ele, e depois irei embora.
Não seja tolo. Não há necessidade de voltar esta noite. Todos os documentos para a reunião com Yoshi amanhã já estão prontos, uma cópia do tratado em japonês e inglês na pasta de Wee Willie, tudo conferido esta tarde. O plano de batalha acertado contra Sanjiro de Satsuma está pronto, no cofre, à espera da assinatura dele e de Ketterer. Voltarei ao amanhecer, tão radiante quanto um guinéu de ouro que acabou de ser cunhado. Afinal, bem que mereço um prêmio, depois do choque-iú de Hiraga e do choque-iú ainda maior de Raiko. Ele sorriu, choque-iú, soando muito japonês. Um suspiro de satisfação, o bom e velho Nakama, isto é, Hiraga. Tyrer bocejou, fechou os olhos. E se aconchegou ainda mais. Fujiko não acordou, mas se abriu para ele.
Em outra parte dos jardins, Hinodeh aguardava impaciente por André, que deveria chegar a qualquer momento agora, como Raiko avisara. Ela se sentia quase doente na expectativa.
Raiko se encontrava em seus aposentos, relaxada, tomando saquê. Muito em breve passaria para o conhaque e o esquecimento, a bebida removendo todos os pensamentos desagradáveis: seu medo e aversão a Hiraga, suas esperanças por ele, o terror por Meikin, o desejo de vingança, tudo se misturando e se fundindo a cada taça esvaziada.