Ao longo do tempo juntos, André notara que a violência de seus movimentos não a perturbava, Hinodeh reagia da mesma forma, o que quer que ele fizesse, e depois se estendia de costas ao seu lado, esgotada. Mas ele nunca fora capaz de descobrir se Hinodeh de fato gostava, como também não podia apenas saboreá-la, e deixá-la assim, deixá-la com sua farsa, se assim era... e esquecer o enigma que ela se tornara. Ainda haveria um dia de deslindar o enigma. Tinha certeza. Só precisava de paciência, mais nada. Teria de desbastar a carapaça do enigma e depois o amor dos dois, com sua paixão frenética e insaciável, passaria a ser mais tranqüilo, e ele poderia viver em paz.
Hinodeh ainda era tudo para ele. Nada mais importava. Naquela tarde ele se humilhara com Angelique, adulara, suplicara e ameaçara, até que ela lhe dera um broche, em vez de dinheiro. Raiko o aceitara.
Angelique é uma idiota. Por que está hesitando? Claro que ela deveria aceitar a oferta de Tess Struan, ficar com o dinheiro, antes que a proposta fosse retirada. É uma oferta generosa e muito mais do que eu esperava, considerando a posição insustentável de Angelique: nenhum testamento em seu favor, e de qualquer maneira nenhuma herança para reivindicar! Quinhentos guinéus como adiantamento em três semanas! Maravilhoso... uma dádiva de Deus! Ela pode dispensar quatrocentos dessa quantia e encontrarei agiotas para adiantarem outros mil, contra seu fundo, dois mil, o que eu precisar. Skye é um tolo. Angelique vai concordar, depois que eu conversar com ela, e aceitar agradecida qualquer adiantamento, quando eu sugerir. Estou salvo!
Contemplando Hinodeh, ele exibiu um sorriso radiante, na maior satisfação.
— O que é?
Ela se abanou, contra o crescente calor alcoólico, a ponta da língua entre os dentes. Em francês, André disse:
— Estou livre, meu amor, muito em breve seu contrato será pago, e se tornará toda minha para sempre.
— Sinto muito, mas não entendi. Voltando ao japonês, ele murmurou:
— Esta noite eu ser feliz e dizer você minha. Ser muito bonita e ser minha.
Hinodeh inclinou a cabeça ao elogio.
— Você também é bonito e fico contente quando se sente feliz comigo.
— Sempre.
Mas isso não era verdade. Com bastante frequência, André se irritava, ia embora furioso. Sempre o mesmo problema, um comentário casual, levando-o a indagar, depois escarnecer, suplicar, exigir, implorar, gritar:
— Não precisamos de escuridão! Somos amantes e não precisamos mais do escuro. Somos amigos, além de amantes, estou comprometido com você para sempre. Para sempre! Amo você, não pode nem imaginar o quanto a amo, não pode saber, fico perguntando e perguntando, mas você apenas senta aí...
Sempre a mesma resposta paciente e submissa, a cabeça no chão, a voz baixa, com ou sem lágrimas, mas categórica:
— Por favor, desculpe, mas você concordou. Sinto muito, mas você concordou.
Ela tornou a beber e André percebeu o crescente rubor em suas faces, observou-a sair de novo, os dedos trêmulos, derramando uma gota. Hinodeh prendeu a respiração, com uma risada.
— Oh, sinto muito!
As duas taças, cheias, de novo logo se esvaziaram, a embriaguez de Hinodeh tornando-a ainda mais sedutora.
— Ah, mas isso é muito, muito gostoso,
Os dedos compridos, com unhas perfeitas, sacudiram o frasco, para descobrir que estava vazio. Hinodeh levantou-se no mesmo instante, graciosa, o quimono comprido arrastando no chão, criando a ilusão de que ela flutuou até o braseiro, onde havia outros frascos, em água fervendo, e até a pequena janela, onde havia uma prateleira para fora, com mais frascos, gelando. O vento entrou no cômodo por um instante, trazendo um odor inesperado. Fumaça de pólvora, tênue, mas inconfundível.
— O que é isso? — disse ele, em francês. Hinodeh fitou-o, surpresa.
— Por favor?
Agora que a janela fora fechada, o odor desaparecera.
— Nada... apenas pensei... — Naquela noite, tudo em Hinodeh o fascinava. — Nada... Por favor, sente aqui.
Obediente, ela sentou ao seu lado, esbarrando nele, rindo. Meio desajeitada, serviu de novo. Divertido, André bebeu com ela, o saquê esquentando-o, mas não tanto quanto aquecia Hinodeh. Sob a manta, as pernas se encontraram. Ele estendeu a mão para pegar a dela, a outra contornou sua cintura, beijaram-se, os lábios de Hinodeh macios e úmidos, a língua sensual. A mão de André foi subindo, ela se desvencilhou do abraço, rindo.
— Espere, espere, não aqui, esta noite...
Como uma colegial assustada, Hinodeh empurrou-o, levantou-se, foi para o quarto, com um único lampião, pronta para apagá-lo, e depois, quando estivesse no escuro, convidando-o para entrar. Mas naquela noite ela parou na porta, encostou-se nela, virou-se, os olhos cintilando.
—