Não, não André, pensou Sir William, inquieto. Ele foi envenenado ou ambos. Agora, há um motivo para assassinato. Deus Todo-Poderoso, seria possível? É, sim, mas quem?
Cansado, bastante transtornado, ele fechou os olhos. Quanto mais tentava encontrar uma resposta, mais perturbado se tornava. A porta foi aberta, sem barulho. Seu empregado número um entrou, começou a cumprimentá-lo, percebeu a palidez e envelhecimento no rosto de Sir William, franziu o rosto, presumiu que ele dormia, serviu um uísque, pôs o copo na mesa ao seu lado. Seus olhos esquadrinharam a carta de André, no alto da pilha, e depois ele saiu, tão silencioso quanto entrara.
Poucos minutos mais tarde, houve uma batida na porta. Sir William despertou com um sobressalto, no momento em que Babcott estendia a cabeça pela porta.
— Tem um minuto?
— Olá, George. Claro. — Sir William guardou os papéis numa pasta, consciente da atração que pareciam irradiar. — Sente-se e tome um drinque. Qual é o problema?
— Não há nenhum. — Babcott estava ainda mais cansado do que antes. — Não ficarei muito tempo. Só queria avisar que vou tirar umas poucas horas de sono. A contagem até agora é de três sujeitos da cidade dos bêbados, o australiano que trabalhava num bar e dois vagabundos sem documentos... pode haver outros corpos nas ruínas, mas ninguém sabe quando a limpeza será concluída. E ninguém parece muito preocupado com isso.
— O que me diz da aldeia e da Yoshiwara?
— Nunca teremos uma contagem. — Babcott bocejou. — Eles parecem considerar que estatísticas desse tipo são segredos nacionais. Não se pode culpá-los, pois nós somos os forasteiros. Eu diria que não tiveram muitas baixas. O mesmo em nossa Yoshiwara, graças a Deus... sabia que cada estalagem tinha um porão de emergência?
— Muito conveniente. Seria bom instituirmos a mesma idéia aqui.
— Uma pena o que houve com André... — murmurou Babcott, provocando outra pontada de angústia em Sir William. — Tivemos muita sorte, porque a maioria do nosso pessoal não foi apanhada pelo fogo. Mas até agora não sei como Phillip conseguiu escapar vivo. Ele ficou bastante abalado pela perda de sua garota, William. Por que não lhe dá uma licença de umas poucas semanas, deixa-o ir a Hong Kong ou Xangai?
— O trabalho é a melhor terapia e preciso dele aqui.
— Talvez você tenha razão. — Outro bocejo. — Por Deus, como estou cansado! Já sabe que Hoag vai embarcar no paquete esta noite?
— Ele me avisou antes. Disse que tinha conversado com você, que respondeu que não precisava mais dele aqui. Imagino que Tess ordenou que ele voltasse assim que soubesse... se ela não estivesse esperando.
— Deve ser isso mesmo. Mas em parte é pessoal, William, pois ele se mostra ansioso em voltar para a índia, acha que encontrará a felicidade por lá. — Babcott franziu o rosto, reprimiu um bocejo. — Ele lhe contou o que havia na carta de Tess?
— A carta para Angelique? Não. Disse que Tess não lhe mostrou o que escrevera, embora seja difícil acreditar nisso. — Sir William observava-o atentamente. — Heavenly esteve aqui antes. Também não disse nada a respeito, apenas informou que Angelique queria que eu testemunhasse sua assinatura numa carta que está enviando para Tess.
Um pouco do cansaço de Babcott se desvaneceu.
— Eu gostaria muito de saber o que diz a carta.
— Serei apenas testemunha da assinatura. Não preciso tomar conhecimento do conteúdo.
Babcott suspirou, tornou a bocejar. — Lamento profundamente por ela, gostaria de poder ajudar, faria qualquer coisa... uma moça tão boa, para quem a vida tem sido tão injusta. Com ela e com Malcolm. Seja como for, estou contente porque ela não vai nos deixar por enquanto. Tenho certeza que Angelique dará uma esposa espetacular para alguém. Tornarei a vê-lo dentro de algumas horas.
— Durma bem e obrigado por seu excelente trabalho. Por falar nisso — acrescentou Sir William, não querendo que ele se retirasse, mas receando que, se Babcott ficasse, poderia se sentir tentado a partilhar o que André revelara, pedir seu conselho —, quando vai ver Anjo de novo?
— Dentro de uma ou duas semanas, assim que acabar o láudano que deixei com ele... sem isso, Anjo vai sofrer muito.
— Não há esperança para ele?
— Não. Só vai durar mais uns poucos meses, os testes foram bastante acurados... suas entranhas se deterioraram. Yoshi é o nosso homem. — Outro bocejo. — Acha que foi Anjo ou Yoshi, se não mesmo ambos, que ordenaram o incêndio criminoso?
— Os dois, ou nenhum dos dois, nunca saberemos. — Ele observou Babcott se encaminhar para a porta, trôpego. — George, em termos médicos, se uma mulher estivesse sedada, um homem poderia possuí-la sem que ela soubesse?
Babcott piscou, aturdido, virou-se no mesmo instante, a fadiga desvanecida.
— Por que pergunta isso?
— Apenas um pensamento súbito, por você ter mencionado o láudano. Há poucos dias, Zergeyev expôs algumas teorias incríveis sobre drogas, o que havia de bom e ruim nelas. Isso poderia acontecer?