— Seria ótimo, obrigada. Eu gostaria muito, mas... Eles são simpáticos, e ela é maravilhosa. Acha que vão casar?
— Se Jamie não casar com ela, é mais tolo do que eu pensava... Outro tomará seu lugar, se ele não casar. — Antes de poder se controlar, Sir William acrescentou. — Muito triste o que aconteceu com André, não acha? Henri lhe contou como o encontraram?
Abruptamente, ele viu os olhos de Angelique se encherem de lágrimas, o controle desaparecer.
— Desculpe. Não tinha a intenção de deixá-la tão transtornada.
— Sei disso, mas já me encontro tão transtornada que... ainda não posso... Henri me contou há cerca de uma hora como André e ela, juntos... a vontade de Deus para ambos, muito triste, mas também maravilhoso.
Angelique tornou a sentar, removendo as lágrimas e recordando que quase desfalecera ao saber. Depois que Henri se retirara, ela fora correndo para a igreja, ajoelhara-se diante da imagem da Santa Virgem... a igreja estranhamente mudada, imponente sem o telhado, mas as velas acesas, como sempre, a paz ali, como sempre. E agradecera, um agradecimento desesperado, por se livrar da servidão, e uma súbita e sincera compreensão de que André também se libertara de seu tormento, tanto quanto ela. E murmurara:
— Compreendo isso agora. Santa mãe, obrigada por nos abençoar, a mim e a ele. André está com ela, em paz, quando sabia que jamais encontraria a paz neste mundo. Mas agora eles se encontram sãos e salvos em seus braços, foi feita a sua vontade...
Os olhos de Angelique mal conseguiam divisar Sir William, através do pesar e da gratidão.
— Henri me falou sobre a doença de André. Pobre coitado, uma coisa terrível... e ele estava apaixonado, totalmente apaixonado. André foi gentil comigo e para ser sincera... — Angelique precisava dizer a verdade em voz alta. — ... também foi horrível, mas acima de tudo era um amigo. E sentia uma paixão irresistível por essa Hinodeh, nada mais no mundo tinha a mesma importância. Por isso, ele deve ser desculpado. Chegou a conhecê-la?
— Não. Nem sequer sabia seu nome. — Apesar de sua determinação em deixar a questão por aí, Sir William perguntou: — Por que ele foi horrível?
Angelique usou um lenço para enxugar as lágrimas e respondeu a voz triste, sem raiva:
— André sabia sobre meu pai e meu tio e usou isso e outras coisas para me deixar em dívida. Vivia me pedindo dinheiro, que eu não tinha, fazendo as promessas mais delirantes... e até mesmo, para ser franca, ameaças.
Inquisitiva, ela fitou-o, sem qualquer astúcia agora, franca e grata a Deus e à Virgem santa por liberar os dois, o passado consumido com ele, junto com toda a sordidez.
— Foi a vontade de Deus! — disse ela, fervorosa. — Fico contente por isso e também triste. Por que não podemos esquecer o que era ruim e apenas lembrar as coisas boas... já há suficiente mal neste mundo para compensar o nosso esquecimento, não acha?
— Tem razão — murmurou ele, com uma compaixão angustiante, os olhos desviando-se para a miniatura de Vertinskya. — É isso mesmo.
Aquela rara demonstração de emoção em Sir William desencadeou alguma coisa em Angelique, que no mesmo instante, antes de perceber o que fazia, pôs-se a revelar o seu medo mais profundo:
— É um homem sensato e tenho de contar a alguém. Sinto-me purificada, como nunca antes, mas é meu Malcolm que me preocupa. Acontece que não fiquei com nada seu, nem o nome, nem o daguerreótipo... não saiu... nenhum retrato e descubro que não consigo encontrar suas feições. A cada dia, parece um pouco pior. Estou assustada...
As lágrimas escorriam, silenciosas, e Sir William, sentado à sua frente, não era capaz de se mexer.
— É quase como se ele nunca tivesse existido e toda a viagem, o tempo em Iocoama, não passasse de um... um
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N
o crepúsculo, à beira da terra de ninguém, ao abrigo de uma casa na aldeia meio concluída, uma sombra se deslocou. E depois outra. Dois homens espreitavam, escondidos, observando. Em algum lugar, no meio dos telheiros e abrigos temporários da aldeia, em meio às habitações parcialmente reconstruídas, em meio às conversas abafadas, uma criança começou a chorar, para ser logo silenciada.