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- Isso é para você. Quando comprei, pensava em ter algo para anotar as idéias sobre administração de fazendas. Usei-a durante dois dias, trabalhei até ficar cansada. Ela tem um pouco do meu suor, da minha concentração, da minha vontade, e eu a estou lhe entregando agora.


Depositou a caneta suavemente na mão de Ralf. - Em vez de comprar- lhe algo que você gostaria de ter, estou lhe dando algo que é meu, realmente meu. Um presente. Um sinal de respeito pela pessoa diante de mim, pedindo que ela compreenda o quanto é importante estar ao seu lado. Agora ela tem consigo uma pequena parte de mim mesma, que entreguei de livre e espontânea vontade. Ralf levantou-se, foi até a estante e voltou com um objeto. Estendeu-o para Maria:


- Este é um vagão de um trem elétrico que eu tinha quando era menino. Não tinha autorização para brincar com ele sozinho, porque meu pai dizia que era caro, importado dos Estados Unidos. Então, só me restava esperar que ele tivesse vontade de montar o trem no meio da sala, mas geralmente ele passava os domingos escutando ópera. Por isso, o trem sobreviveu à minha infância, mas não me deu nenhuma alegria. Lá em cima tenho guardado todos os trilhos, a locomotiva, as casas, até mesmo 0 manual; porque eu tinha um trem que não era meu, com o qual eu não brincava. "Oxalá tivesse sido destruído como todos os outros brinquedos que ganhei e de que nem me lembro, porque esta paixão de destruir faz parte da maneira como a criança descobre o mundo. Mas este trem intacto me lembra sempre uma parte da minha infância que eu não vivi, porque era preciosa demais, ou trabalhosa demais para o meu pai. Ou talvez porque, cada vez que montava o trem, tivesse medo de demonstrar seu amor por mim."


Maria começou a olhar fixamente o fogo na lareira. Algo estava acontecendo - e não era o vinho, nem o ambiente acolhedor. Era a entrega de presentes. Ralf também se virou para o fogo. Ficaram calados, escutando o crepitar das chamas. Beberam vinho, como senão fosse importante dizer nada, falar nada, fazer nada. Apenas estar ali, um com o outro, olhando na mesma direção. -Tenho muitos trens intactos na minha vida -disse Maria, depois de um tempo. - Um deles é o meu coração. Também só brincava com ele quando o mundo colocava os trilhos, e nem sempre era o momento certo.


- Mas você amou.


-Sim, eu amei. Eu amei muito. Eu amei tanto que, quando o meu amor me pediu um presente, eu tive medo e fugi.


- Não entendo.


- Não precisa. Estou lhe ensinando, porque descobri algo que não sabia. O presente. A entrega de alguma coisa que é sua. Dar antes de pedir algo que seja importante. Você tem meu tesouro: a caneta com que escrevi alguns de meus sonhos. Eu tenho seu tesouro: o vagão de trem, parte da infância que você não viveu. "Eu agora carrego comigo parte do seu passado, e você guarda consigo um pouco do meu presente. Que bom."

Disse tudo isso sem pestanejar, sem estranhar seu comportamento, como se soubesse


havia muito tempo que esta era a melhor e única maneira de agir. Levantou-se com suavidade, pegou seu casaco no cabide, e deu- lhe um beijo no rosto. Ralf Hart, em nenhum momento, fez menção alguma de levantar-se de onde estava, hipnotizado pelo fogo, possivelmente pensando em seu pai.


- Nunca entendi direito por que guardava esse vagão. Hoje ficou claro: para entregar- lhe em uma noite de lareira acesa. Agora esta casa fica mais leve. Ele disse que, no dia seguinte, iria doar o resto dos trilhos, locomotivas, pastilhas que imitavam fumaça, a algum asilo.


- Talvez hoje este trem seja uma raridade que não se fabrica mais e valha muito dinheiro - advertiu Maria, para logo se arrepender. Não se tratava disso, mas de livrar-se de algo que custa ainda mais caro ao nosso coração. Antes que tornasse a dizer coisas que não combinavam com o momento, tornou a dar- lhe um beijo no rosto e dirigiu-se até a porta. Ele ainda continuava olhando o fogo, e ela pediu, delicadamente, que viesse abri-Ia. Ralf levantou-se e ela explicou que, embora estivesse contente de vê-lo olhando o fogo, os brasileiros têm uma estranha superstição: quando visitam alguém pela primeira vez, não podem abrir a porta na hora da saída, porque se fizerem isso, jamais retornarão àquela casa.


- E eu quero voltar.


- Embora não tenhamos tirado a roupa e eu não tenha entrado em você, nem sequer a tenha tocado, nós fizemos amor.


Ela riu. Ele ofereceu-se para levá-la em casa, mas Maria recusou.


- Irei vê-Ia amanhã, no Copacabana.


- Não faça isso. Espere uma semana. Aprendi que esperar é a parte mais difícil, e quero também me acostumar com isso; saber que você está comigo, mesmo que não esteja ao meu lado.


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