em livros. Perguntou de novo onde estava a seção especial, e ali encontrou vários títulos sobre gays, lésbicas, freiras que revelavam coisas escabrosas sobre a igreja, livros ilustrados com técnicas orientais, mostrando posições muito desconfortáveis. Apenas um dos volumes a interessou: O sexo sagrado. Pelo menos esse devia ser diferente. Comprou-o, foi para casa, colocou o rádio em uma estação que sempre a ajudava a pensar (porque as músicas eram calmas), abriu o livro, notou que tinha várias ilustrações, com posturas que só mesmo quem trabalha em circo pode conseguir praticar. O texto era aborrecido.
Maria aprendera o suficiente em sua profissão para saber que nem tudo na vida era uma questão da posição na qual você se coloca enquanto está fazendo amor, e na maior parte das vezes qualquer variação acontecia de maneira natural, sem pensar, como os passos de uma dança. Mesmo assim, tentou concentrar-se no que lia. Duas horas depois, deu-se conta de duas coisas. A primeira, que precisava jantar logo, pois devia retornar ao Copacabana. A segunda, que a pessoa que escrevera aquele livro não entendia nada, NADA do assunto. Muita teoria, coisas orientais, rituais inúteis, sugestões idiotas. Via-se que o autor tinha meditado no Himalaia (precisava saber onde ficava esse lugar), freqüentado cursos de yoga (já tinha ouvido falar), lido muito sobre o assunto, pois citava um e outro autor, mas não tinha aprend ido o essencial. Sexo não era teoria, incenso queimando, pontos de toque, reverências e salamaleques. Como aquela pessoa (na verdade, uma mulher) ousava escrever sobre um tema que nem Maria, que trabalhava na área, conhecia direito? Talvez fosse culpa do Himalaia, ou da necessidade de complicar algo cuja beleza está na simplicidade e na paixão. Se aquela mulher fora capaz de publicar e vender um livro tão estúpido, era melhor que ela voltasse a pensar seriamente em seu texto, Onze minutos. Não seria cínico nem falso - seria apenas sua história, nada mais. Mas não tinha nem tempo, nem interesse; precisava concentrar sua energia para deixar Ralf Hart alegre, e para aprender como administrar fazendas. Texto do diário de Maria, logo depois de deixar o aborreci do livro de lado: Eu encontrei um homem, e me apaixonei por ele. Deixei- me apaixonar por uma simples razão: não espero nada. Sei que em três meses estarei longe, ele será uma lembrança, mas não podia agüentar mais viver sem amor; estava no meu limite. Estou escrevendo uma história para Ralf Hart este é o seu nome. Não estou certa se ele voltará à boate onde trabalho, mas pela primeira vez na minha vida isso não faz a menor diferença. É suficiente amá- lo, estar com ele em meu pensamento, e colorir esta cidade tão bela com seus passos, suas palavras, seu carinho. Quando eu deixar este país, ele terá um rosto, um nome, a lembrança de uma lareira. Tudo o mais que vivi aqui; todas as coisas duras pelas quais passei, não será nada perto desta lembrança. Gostaria de poder fazer por ele o que ele fez por mim. Estive pensando muito, e descobri que não entrei naquele café por acaso; os encontros mais importantes já foram combinados pelas almas antes mesmo que os corpos se veiam. Geralmente estes encontros acontecem qua ndo chegamos a um limite, quando precisamos morrer e renascer emocionalmente. Os encontros nos esperam mas a maior parte das vezes evitamos que eles aconteçam. Entretanto, se estamos desesperados, se já não temos mais nada a perder, ou se estamos muito entusiasmados com a vida, então o desconhecido se manifesta, e nosso universo muda de rumo.
Todos sabem amar, pois já nasceram com este dom. Algumas pessoas já o praticam
naturalmente bem, mas a maioria tem que aprender de novo, relembrar como se ama, e todos - sem exceção - precisam queimar na fogueira de suas emoções passadas, reviver algumas alegrias e dores, quedas e recuperação, até conseguir enxergar o fio condutor que existe por trás de cada novo encontro; sim, existe um fio. E então, os corpos aprendem a falar a linguagem da alma, isso se chama sexo, é isso que eu posso dar ao homem que me devolveu a alma, embora ele desconheça totalmente sua importância na minha vida. Isso foi o que ele me pediu, e isso ele terá; quero que seja muito feliz.
A vida é às vezes muito avara: a pessoa passa dias, semanas, meses e anos sem sentir nada de novo. Entretanto, uma vez que abre uma porta - e esse foi o caso de Maria com Ralf Hart -, uma verdadeira avalanche entra pelo espaço aberto. Em um momento você não tem nada, no momento seguinte tem mais do que consegue aceitar. Duas horas depois de ter escrito em seu diário, quando chegou ao trabalho, foi procurada por Milan, o dono:
- Então, você saiu com o tal pintor.