- já lhe ocorreu pensar que as mulheres, principalmente as prostitutas, são capazes de amar? - Sim, me ocorreu. Me ocorreu no primeiro dia, quando estávamos na mesa do café, quando vi sua luz. Então, quando pensei em convidá-la para um café, escolhi acreditarem tudo, inclusive na possibilidade de que você me devolvesse ao mundo, de onde parti faz muito tempo.
Agora não havia mais retorno. Maria, a mestra, precisava vir imediatamente em seu socorro, ou ela iria beijá- lo, abraçá-lo, pedir que não a deixasse. - Vamos voltar para a estação de trem - disse. - Melhor dizendo, vamos voltar para esta sala, para o dia em que viemos aqui pela primeira vez, e você reconheceu que eu existia, e me deu um presente. Foi a primeira tentativa de entrar na minha alma, e você não sabia se era bem- vindo. Mas, como diz a sua história, os seres humanos foram divididos e agora buscam de novo este abraço que os una. Esse é o nosso instinto. Mas também a nossa razão para agüentar todas as coisas difíceis que acontecem durante esta busca. "Eu quero que você me olhe, e quero, ao mesmo tempo, que evite fazer com que eu note. O primeiro desejo é importante porque ele é escondido, proibido, não consentido. Você não sabe se está diante da sua metade perdida, ela tampouco sabe, mas algo os atrai - e é preciso acreditar que seja verdade." De onde estou tirando tudo isso? Estou tirando tudo isso do fundo do meu coração, porque gostaria que sempre tivesse sido assim. Estou tirando estes sonhos do meu próprio sonho de mulher.
Ela abaixou um pouco a alça do seu vestido, de modo que uma parte, apenas uma ínfima parte do bico do seu seio ficasse descoberto. - O desejo não é o que você vê, mas aquilo que você imagina. Ralf Hart olhava uma mulher de cabelos negros, e roupa igual aos cabelos, sentada no chão de sua sala de visitas, cheia de desejos absurdos, como ter uma lareira acesa em pleno verão. Sim, queria imaginar o que aquela roupa escondia, podia ver o tamanho de seus seios, sabia que o sutiã que ela usava era desnecessário, embora talvez fosse uma obrigação do ofício. Seus seios não eram grandes, não eram pequenos, eram jovens. Seu olhar não demonstrava nada; o que ela estava fazendo ali? Por que ele estava alimentando esta relação perigosa, absurda, se não tinha nenhum problema em arranjar uma mulher? Era rico, jovem, famoso, de boa aparência. Adorava seu trabalho, tinha amado as mulheres com que se casara, tinha sido amado. Enfim, era uma pessoa que, por todos os padrões, deveria gritar bem alto: "Eu sou feliz." Mas não era. Enquanto a maioria dos seres humanos se matava por um pedaço de pão, um teto onde morar, um emprego que lhe permitisse viver com dignidade, Ralf Hart tinha tudo isso, o que o tornava mais miserável. Se fizesse um balanço recente de sua vida, talvez tivesse vivido dois, três dias em que tenha acordado, olhado o sol - ou a chuva - se sentido
alegre por ser de manhã, apenas alegre, sem desejar nada, sem planejar nada, sem pedir
nada em troca. Afora esses poucos dias, o resto de sua existência tinha sido gasto em sonhos, frustrações e realizações, desejo de superar a si mesmo, viagens além dos seus limites; não sabia exatamente a quem, ou o quê, o certo é que passara a sua vida tentando provar algo.
Olhava a bela mulher à sua frente, discretamente vestida de negro, alguém que encontrara por acaso, embora já a tivesse visto antes em uma boate, e reparado que não combinava com o lugar. Ela pedia que a desejasse, e ele a desejava muito, muito mais do que podia imaginar - mas não eram os seus seios, ou o seu corpo; era a sua companhia. Queria abraçá- la, ficarem silêncio olhando o fogo, bebendo vinho, fumando um ou outro cigarro, isso era o suficiente. A vida era feita de coisas simples, estava cansado de todos estes anos buscando algo que não sabia
o que era.
Entretanto, se fizesse isso, se a tocasse, tudo estaria perdido. Porque, apesar de sua "luz", não estava certo se ela entendia como era bom estar ao seu lado. Estava pagando? Sim, e continuaria pagando o tempo que fosse necessário, até poder sentarse com ela à beira do lago, falar de amor - e escutar a mesma coisa de volta. Melhor não arriscar, não precipitar as coisas, não dizer nada.