Estou a guardar o aspirador quando as portas do elevador se abrem com um rangido. Douglas entra na sala de estar, a assobiar baixinho, com outro dos seus fatos dolorosamente caros. Segura um ramo de rosas numa mão e uma caixa retangular azul na outra.
– Olá, Millie. – Parece estranhamente alegre, tendo em conta que a mulher está no andar de cima a soluçar. –Como vai isso? Está quase a terminar?
– Sim... – Não sei bem se devo dizer-lhe o que ouvi. Mas, se a mulher dele está a chorar, deve querer saber, não? – A sua mulher parece um pouco em baixo. Ouvi-a a chorar no quarto.
Manchas vermelhas surgem-lhe nas maçãs do rosto.
– Não... falou com ela, pois não?
Não quero mentir, mas, ao mesmo tempo, disse-me explicitamente para não incomodar a Wendy.
– Não, é claro que não.
– Ótimo. – Os seus ombros relaxam. – É melhor deixá-la simplesmente em paz. Como disse, não está bem.
– Sim, já tinha referido isso...
– E... – Ergue a caixa retangular azul. – Tenho um presente para ela. – Pousa as flores para poder abrir a caixa de veludo e ergue-a para eu poder espreitar o interior. –Acho que vai adorar isto.
Olho para o conteúdo da caixa. É a pulseira mais bela que alguma vez vi, cravejada de diamantes perfeitos.
– Está gravada – diz com orgulho.
– De certeza que vai adorar.
Douglas agarra nas flores e começa a subir as escadas. Vejo-o desaparecer pelo corredor, seguindo-se o som de uma porta a abrir e a fechar.
Não consigo perceber esta situação. Douglas parece um marido maravilhoso e dedicado. Wendy, por outro lado, nunca sai do quarto. Talvez saia quando eu não estou por perto, mas nunca lhe vi sequer o rosto completo, a não ser nas fotografias.
Há algo de anormal nesta situação, e eu não sei o que é.
Mas, como diz o Brock, não tenho nada a ver com isso. Devia simplesmente esquecer.
10
Apesar de já ter combinado com Douglas passar esta noite pela penthouse para levar as compras e limpar, confirma sempre com uma mensagem de texto. É extremamente organizado. Tendo em conta o que me estão a pagar, respondo sempre de imediato.
Não tenho aulas hoje, pelo que a minha tarde consistirá em ir às compras para os Garrick, seguindo depois para casa deles para lhes limpar a sujidade invisível e preparar o jantar. Há já bem mais de um mês que trabalho para a família e conheço a rotina. Tenho a lista de compras na mão, mas preciso de ir a Manhattan para adquirir tudo o que querem.
Ontem à noite, o Brock pediu-me para ficar em casa dele, e tenho vindo a passar lá muitas noites, pois vive muito perto do apartamento e bastante perto da universidade, mas essa é ainda mais uma razão para dizer não. Se passar mais tempo no seu apartamento, estaremos basicamente a viver juntos. E isso é algo que não posso fazer.
Não ainda, pelo menos. Não até lhe dizer a verdade. Merece ao menos isso.
Mas tenho medo. Medo de que o Brock se passe e me largue na hora se souber tudo sobre mim. E tenho ainda mais medo de que, quando os seus pais ricos e de classe alta descobrirem, o convençam a deixar-me. O Brock é perfeito, a sua família é perfeita, e eu estou tão longe da perfeição que nem sequer tem graça.
A minha última relação foi o oposto de perfeita. E, de alguma forma, isso parecia-me mais adequado. Não sei muito bem o que diz a meu respeito que o meu par ideal fosse um indivíduo como o Enzo Accardi.
O Enzo e eu começámos há quatro anos como amigos, depois de um emprego meu ter acabado de forma extremamente inesperada. Não tinha muitos amigos, pelo que fiquei obscenamente grata pelo seu apoio. Chegámos a um ponto em que passávamos quase todo o nosso tempo livre juntos, além de que ajudámos cerca de uma dúzia de mulheres a escapar das suas relações abusivas. Muitas vezes, tratava-se apenas de obter os recursos adequados, mas noutras tínhamos de ser criativos. O Enzo fazia contactos que lhe permitiam obter novas identidades, telemóveis pré-pagos que não podiam ser localizados e bilhetes de avião para destinos distantes. Tirávamos mulheres das suas relações tóxicas sem termos de recorrer à violência.
Bem, não, isso não é verdade. Para ser inteiramente sincera, houve algumas vezes em que as coisas ficaram um pouco... complicadas. O Enzo e eu combinámos nunca mais falar dessas ocasiões. Fizemos o que tínhamos de fazer.
Foi o Enzo quem me convenceu a voltar para a universidade para tirar uma licenciatura em serviço social. Mal sabia eu que me estava a pôr no caminho para uma vida normal que eu jamais sonhara ser possível para mim. Mesmo com o meu registo criminal, podia conseguir um emprego como assistente social. Podia fazer o que adorava dentro dos limites da lei.