– Não tenho de me mudar – digo, de rompante.
O Brock fica boquiaberto.
– O quê?
– Não vai mais viver no prédio – saliento. – Por isso não tenho de partir.
O Brock estica o lábio inferior.
– Não compreendo. Não
É uma pergunta incrivelmente espinhosa. Sim, seria agradável ter o espaço extra e o ar condicionado e o porteiro para impedir os assaltantes de entrar. Mas essa não é uma boa razão para alguém ir viver com o namorado.
– Quero – respondo. – Um dia. Mas... ainda não.
– Compreendo. – O seu tom é gélido.
– Lamento imenso. – Estico-me para lhe apertar a mão, mas não retribui o aperto. – Sou simplesmente o tipo de pessoa que precisa do seu próprio espaço. Só isso.
Os seus olhos azuis encontram os meus.
– É mesmo só isso?
Imagino que os pais do Brock sejam do tipo que faria uma verificação de antecedentes a qualquer mulher com quem o filho fosse viver. Caramba, podem até já ter feito uma. Mas aposto que procuraram por Millie Calloway, o que foi a minha única salvação. É só uma questão de tempo até descobrirem que o meu primeiro nome é WiIhelmina, e então o Brock descobrirá tudo.
Tenho de confessar a verdade antes que isso aconteça.
Mas, com aquele cretino do Xavier na prisão, consegui uma curta trégua.
19
O apartamento dos Garrick parece tranquilo hoje.
Ouvi um som vindo do quarto de hóspedes, mas não eram choros nem gritos nem qualquer outra coisa suspeita. Soava apenas como se estivesse alguém lá dentro –uma mulher a quem não devo incomodar.
Depois de encontrar o sangue naquela camisa de noite, pensei genuinamente que Douglas ia arranjar uma desculpa para me despedir, mas por enquanto não o fez. O que é bom, tendo em conta que preciso do dinheiro. (O Brock continua a sugerir que eu devia ir viver com ele, mas para já tenho conseguido esquivar-me.)
E, agora que tive alguns dias para pensar no assunto, não estou convencida de que o carmesim na camisa de noite fosse tão ominoso como me pareceu na altura. Continuo a ter a certeza de que a mancha era de sangue, mas há muitas razões inocentes para se ter manchas de sangue nas roupas. Lidei com crianças suficientes com profusas hemorragias nasais para saber que é um erro tirar conclusões precipitadas. E, assim, consegui tirar o caso da cabeça.
Bem, maioritariamente.
Depois de arrumar alguns dos outros quartos, desço o corredor até à casa de banho principal do andar de cima. Geralmente, as casas de banho não estão muito sujas. Faz sentido, tendo em conta que só duas pessoas vivem aqui, e mal parece que precisem de alguém para limpar com tanta frequência, mas não vou discutir o assunto. É para limpar que me pagam, e se tenho de limpar algo que já está relativamente limpo, então é o que farei.
Só que, ao entrar na casa de banho agora, vejo algo que nunca antes tinha visto. Algo que me faz sentir como se me tivessem dado um murro no estômago.
É a marca ensanguentada de uma mão no lavatório.
Bem, para dizer a verdade, é cerca de meia mão. Como se alguém se tivesse agarrado ao lavatório com uma mão coberta de sangue.
Os meus olhos voltam-se para o chão. Não percebi ao entrar, mas agora vejo as pequenas gotas de sangue nas placas de linóleo. Parecem formar um pequeno rasto.
Sigo o rasto de gotas carmesim até ao exterior da casa de banho. Não há luzes no corredor, por isso, de alguma forma, não o vi da primeira vez, mas agora consigo distinguir as manchas de sangue que formam um trilho na alcatifa. E o trilho acaba à porta do quarto de hóspedes.
Não é suposto bater à porta. Douglas deixou isso bem claro quando comecei a trabalhar aqui. E, da única vez que bati, Wendy Garrick não ficou satisfeita por me ver.
Mas, mais uma vez, penso em Kitty Genovese. Como posso não investigar quando há literalmente um rasto de sangue a conduzir-me até à porta?
Assim, ergo o punho e bato.
Tinha ouvido alguns sons anteriormente, mas de repente faz-se silêncio do outro lado da porta. Ninguém me diz para entrar ou não entrar. Por isso, bato novamente.
– Senhora Garrick? – chamo. – Wendy?
Não obtenho resposta.
Cerro os dentes de frustração. Não sei o que se passa ali dentro, mas não me vou embora enquanto não puder confirmar que ela não se está a esvair em sangue. Tenho uma regra sobre não limpar em torno de cadáveres.
Embora não devesse, levo a mão à maçaneta. Tento rodá-la, mas não cede. Trancada.
– Senhora Garrick – digo. – A sua casa de banho está cheia de sangue.
Continuo a não obter resposta.
– Oiça, se não abrir a porta, vou ter de chamar a polícia.
Isso arranca-lhe uma reação. Oiço alguns movimentos
atrapalhados atrás da porta, seguidos de uma voz ligeiramente embargada.
– Estou aqui. Estou bem. Não chame a polícia.
– Tem a certeza?
– Sim. Por favor... vá-se embora. Estou a tentar dormir.
Podia afastar-me, mas na verdade não posso. Não depois de ter visto todo aquele sangue na casa de banho. Nem é por o sangue estar lá, mas por quem o derramou estar demasiado ferido para o conseguir limpar.
– Quero vê-la – digo. – Abra a porta, por favor.