Mais especificamente, está a atravessar a rua. O sinal está vermelho e precipita-se para a passadeira enquanto um táxi amarelo faz soar fortemente a sua buzina. Observo-o por um momento, com o coração a palpitar. De alguma forma, tinha partido do princípio que era o Xavier quem me andava a seguir, mas agora já não tenho assim tanta certeza. Terá sido Douglas o tempo todo?
– Espera um minuto – digo ao Brock. – Volto já.
– Mas que...
Não lhe dou hipótese de terminar o seu pensamento antes de me lançar pela rua atrás de Douglas, obrigando um carro azul a travar bruscamente. O condutor roga-me pragas, mas eu ignoro-o e continuo a andar.
O que faz Douglas na East Village? Vive no Upper West Side e trabalha em Wall Street.
Se me estava a observar, já não está. E outro aspeto interessante é que não está sozinho. Parece estar a caminhar com uma mulher de cabelo louro e que segura uma bolsa de tiracolo castanha, pendurada ao ombro direito.
O que se passa? Por que estava a observar-me? E quem é aquela mulher? Apesar de não ter conseguido ver bem Wendy Garrick na vida real, vi fotografias dela, e aquela mulher não é a Sra. Garrick.
Sigo-o por mais um quarteirão. Talvez esteja a iludir-me, mas não creio que faça ideia de que vou atrás dele enquanto caminha com a mulher pela Segunda Avenida. Ela ergue a voz, mas não consigo ouvir o que dizem. E, se me aproximar mais, podem ver-me.
Não sei por quanto mais tempo o poderei seguir. O Brock está ainda no restaurante e provavelmente acha que perdi o juízo. Espero que este pequeno incidente não chegue ao seu telefonema semanal para os pais.
Felizmente, Douglas e a mulher param diante de um pequeno prédio de apartamentos em arenito castanho. Como o meu próprio edifício, também este não tem porteiro. Ela procura uma chave na bolsa, destranca a porta e abre-a. Consigo obter uma boa visão da mulher mesmo antes de ambos desaparecerem no interior.
É dolorosamente óbvio o que se passa. Douglas tem uma amante secreta que vive neste edifício. Ainda é suficientemente cedo para poder dizer à Wendy que ficou a trabalhar até tarde esta noite quando chegar a casa.
Mas por que estavam a discutir?
Não é difícil imaginar, claro. Se ela é amante dele e ele é casado, talvez esteja zangada por não ter deixado a esposa. É uma mulher de pelo menos trinta e tal anos e não aparentava ser uma flausina apenas em busca de diversão. Talvez tenha esperanças que Douglas deixe Wendy e se case depois com ela.
Ainda estou a olhar para o prédio de arenito castanho, tentando decidir o meu próximo passo, quando o meu telemóvel começa a tocar no meu bolso. Retraio-me ao ver o nome do Brock no ecrã. Oxalá tivesse deixado o telefone na bolsa. Neste momento, porém, tenho de atender a chamada. O homem disse-me que podíamos viver juntos, disse que me amava, e então eu saltei da cadeira como uma louca e desatei a correr em sentido oposto.
– Millie? – parece desconcertado do outro lado da linha. – O que aconteceu? Para onde foste?
– Eu... vi uma velha amiga – respondo. – Queria pôr a conversa em dia com ela. Não a via há anos.
– Certo... – relutante, parece aceitar a minha explicação
ridícula, como eu sabia que faria. – Vais voltar?
Lanço um último olhar ao prédio de arenito castanho.
– Sim. Volto daqui a alguns minutos.
– Alguns minutos!
Seja o que for que Douglas Garrick está a fazer naquele prédio de apartamentos, não o vou descobrir ficando aqui a olhar fixamente para o edifício. Assim, começo a regressar ao restaurante, já a preparar-me para o interrogatório do Brock. Vai querer mais respostas para o porquê de eu ter fugido. Mas a verdade far-me-á parecer louca.
– Estou agora mesmo a regressar – digo-lhe. – Prometo.
– Queres que pague a conta? – pergunta. – Estás bem? O que se passa?
– Nada. – Atravesso a rua para regressar ao restaurante, acelerando ligeiramente o passo. – Como disse, vi uma velha amiga.
– Não parecias bem.
– Mas estou – insisto. – Eu...
Em plena insistência de que estou perfeitamente bem, paro de falar. Porque vejo algo que me faz o coração cair-me aos pés.
É um Mazda preto com o farol dianteiro do lado direito rachado. O mesmo que vi estacionado perto do meu prédio e, por vezes, perto de onde os Garrick vivem.
Baixo os olhos para ver a matrícula. 58F321. Vasculho o meu cérebro, tentando recordar-me de qual era a matrícula da última vez que o vi. Por que não a anotei? Tinha a certeza de que me lembraria.
Mas aquele farol direito rachado. Parece tão familiar.
– Millie? – A voz do Brock sai do meu telemóvel. – Millie? Estás aí?
Olho para o veículo. Durante todo este tempo, presumi que era o Xavier quem me andava a seguir. Mas agora encontro este carro estacionado perto do prédio da amante de Douglas. Apesar de não ter a certeza absoluta de que é o mesmo carro que me tem andado a seguir, estaria disposta a apostar muito dinheiro nisso. Parece um carro miserável para ser conduzido por um multimilionário, mas talvez não, se estiver a tentar ser discreto.