— Talvez ela esteja no outro lado ou por ali. — O peito arfando, com dificuldade para respirar, Dmitri apontou para a campina que levava à pista de corrida de cavalos, onde uns poucos lampiões acesos iluminavam a escuridão. — Darei a volta pelo outro lado, passarei pelo portão norte e atravessarei o canal. Você tenta a campina. Se eu a encontrar, o que quer que diga?
— Apenas que espero que esteja sã e salva e que a procurarei amanhã.
Os dois se abaixaram, quando uma língua de fogo passou por cima e foi atingir uma casa da aldeia por trás. Na confusão, Jamie se perdeu de Dmitri e continuou sua busca, ajudando onde podia. Em determinado momento, Heavenly Skye passou correndo e gritou:
— Jamie, acabei de saber que Phillip Tyrer sumiu, junto com todo o pessoal das Três Carpas!
— Deus Todo-Poderoso! Tem certeza? O que me diz...
Mas Skye já desaparecera na escuridão.
As legações, que ficavam para o norte, ainda não estavam diretamente ameaçadas. Nem os prédios da Struan e Brock, as casas e armazéns próximos, embora o vento fosse mais quente e mais forte a cada minuto. O passeio e as ruas estavam apinhados, todos se preparando para a última defesa, mais soldados e marujos desembarcando da esquadra, onde soara pela primeira vez o alarme geral. Samurais espalharam-se pela High Street, vindos de seus acampamentos, além dos portões. Traziam escadas e baldes, máscaras contra incêndio, demonstrando a maior eficiência. Em grupos, encaminhavam-se para os pontos mais perigosos.
Sir William, um capote comprido por cima do pijama, assumira o comando da defesa da legação. Na beira da praia, Pallidar supervisionava os dragões que ligavam bombas no mar, através de compridas mangueiras de lona. Ele olhou para trás e avistou o general sair apressado da noite, tendo ao lado um oficial-engenheiro, com um destacamento de soldados em sua esteira, até parar na frente de Sir William.
— Estou seguindo para a cidade dos bêbados e a aldeia — anunciou o general, esbaforido. — Planejo explodir algumas casas para abrir um aceiro que impeça a passagem do fogo... com a sua permissão. Concorda?
— Claro. Faça o que for necessário. Pode dar certo. Se o vento não diminuir, estaremos liquidados de qualquer maneira. Vá depressa!
— Por acaso eu observava do penhasco e tive a impressão de que três ou quatro incêndios começaram ao mesmo tempo na Yoshiwara, em pontos diferentes.
— Por Deus! Está querendo dizer que foi um incêndio criminoso?
— Não sei, mas quer tenha sido um ato de Deus ou do demônio, ou de um maldito incendiário, isto vai nos destruir!
Acompanhado por seus homens, o general se afastou pela escuridão. Sir William viu o almirante subir pela praia, do cais da legação, onde mais marujos e fuzileiros desembarcavam.
— Os barcos já estão prontos para a evacuação — avisou Ketterer. — Temos suprimentos em quantidade suficiente para toda a população. Podemos reunir o pessoal ao longo da praia, onde haverá segurança.
— Ótimo. A situação pode se tornar perigosa.
— Tem isso. Isso muda completamente os nossos planos, não é?
— Receio que sim. O incêndio não poderia ter ocorrido numa ocasião pior. Maldito fogo, pensou Sir William, furioso. Complica tudo — a reunião com Yoshi amanhã, o bombardeio de Kagoshima, logo no momento em que Ketterer finalmente concordava em obedecer às minhas instruções. O que faremos agora? Vamos evacuar Iocoama? Embarcar todo mundo na esquadra e voltar a Hong Kong, com o rabo entre as pernas? Ou transferir todo mundo para Kanagawa e que se dane o que os japoneses podem fazer? Não, não é possível. Kanagawa é uma armadilha pior, pois a baía ali é muito rasa para a esquadra nos ajudar. Ele olhou para Ketterer. O rosto do almirante era duro e curtido, os olhos pequenos fixados na distância. Ele vai optar pelo retorno a Hong Kong, pensou Sir William, consternado. Droga de vento!
Num ponto mais abaixo da rua, MacStruan tinha escadas encostadas na lateral de seu prédio. Vários homens suspendiam baldes com água pela escada, os que estavam no topo molhavam o telhado. No prédio da Brock, ao lado, Gornt e outros faziam a mesma coisa.
— Por Deus, olhem só! — gritou alguém.
As chamas se estendiam agora por toda a linha do horizonte da cidade dos bêbados e da aldeia. O vento era escaldante e forte, soprando contra seus rostos furioso, provocando-os, desafiando-os.
—
Ela usava um casaco por cima da camisola, lenço na camisa. Vestira-se apressada, ao primeiro alarme, e saíra correndo para a rua. Era evidente que o fogo os alcançaria em breve, por isso ela tornou a entrar, subiu apressada para o seu quarto. Rapidamente, meteu suas escovas, pentes, pomadas, cremes e ruges numa bolsa, a melhor lingerie em outra. Um momento de pensamento e depois, não mais assustada, ela abriu a janela, gritou para que Ah Soh permanecesse lá embaixo e pôs-se a lhe jogar seus vestidos e casacos.