Passara grande parte do seu tempo dizendo "não" a coisas a que gostaria de dizer "sim", decidida a viver apenas as experiências que sabia controlar -como certas aventuras com homens, por exemplo. Agora estava diante do desconhecido, tão desconhecido como este mar fora uma vez para os navegadores que o cruzaram, assim lhe haviam ensinado na aula de história. Podia dizer sempre "não", mas será que iria passar o resto da vida lamentando-se, como ainda fazia com a imagem do menino que uma vez lhe pedira um lápis e desaparecera com seu primeiro amor? Sempre poderia dizer "não", mas por que desta vez não ensaiar um "sim"? Por uma razão muito simples: era uma moça do interior, sem qualquer experiência na vida além de um bom colégio, uma grande cultura de novelas de televisão, e a certeza de que era bela. Isso não bastava para enfrentar o mundo. Viu um grupo de pessoas rindo e olhando o mar, com medo de se aproximarem. Dois dias antes, ela sentira a mesma coisa, mas agora não tinha medo, entrava na água sempre que desejava, como se tivesse nascido ali. Será que não iria acontecer a mesma coisa na Europa?
Fez uma prece silenciosa, pediu de novo os conselhos da Virgem Maria, e segundos depois parecia à vontade com sua decisão de seguir adiante, porque se sentia protegida. Sempre poderia voltar, mas nem sempre teria a chance de ir tão longe. Valia a pena correr o risco, desde que o sonho conseguisse resistir às quarenta e oito horas de volta no ônibus sem ar refrigerado, e desde que o suíço não mudasse de idéia.
Estava tão animada que, quando ele a convidou para jantar novamente, quis ensaiar
um ar sensual, e pegou a mão dele, mas o homem logo a retirou. Maria entendeu - com certo medo, e com certo alívio - que ele realmente estava falando sério. - Estrela samba! - dizia o homem. - Linda estrela samba brasileiro! Viagem semana próxima!
Tudo era uma maravilha, mas "viagem semana próxima" estava absolutamente fora de cogitação. Maria explicou que não podia tomar uma decisão sem consultar sua família. O suíço, furioso, mostrou uma cópia do documento assinado, e pela primeira vez ela sentiu medo.
- Contrato! - dizia ele.
Mesmo decidida a viajar, resolveu consultar Maílson, seu empresário - afinal de contas, ele estava sendo pago para assessorá- la. Maílson, entretanto, parecia agora mais preocupado em seduzir uma turista alemã que acabara de chegar ao hotel e estava fazendo topless na areia, certa de que o Brasil é o país mais liberal do mundo (sem dar-se conta de que era a única pessoa com os seios expostos e que todos os demais a olhavam com um certo desconforto). Foi uma dificuldade conseguir que prestasse atenção no que estava dizendo. - E se eu mudar de idéia? - insistia Maria. - Não sei o que está escrito no contrato, mas talvez ele mande prendê- la. - Não irá me achar nunca!
- Tem razão. Portanto, não se preocupe. O suíço, porém, que já gastara quinhentos dólares, um par de sapatos, um vestido, dois jantares e os custos de cartório no consulado, estava começando a ficar preocupado, de modo que, como Maria insistia na necessidade de falar com sua família, resolveu comprar duas passagens de avião e acompanhá - la até o lugar onde nascera - desde que tudo se resolvesse em quarenta e oito horas e pudessem viajar na semana seguinte, conforme o combinado. Com sorrisos para cá, sorrisos para lá, ela começava a entender que isso constava do documento, e que não se deve brincar muito com a sedução, os sentimentos, e os contratos.
Foi uma surpresa, e um orgulho para a pequena cidade, ver sua bela filha Maria chegar acompanhada de um estrangeiro, que desejava convidá- la para ser uma grande estrela na Europa. Toda a vizinhança soube, e as amigas de colégio perguntavam: "Mas como foi?"
"Eu tenho sorte."
Elas queriam saber se isso sempre acontecia no Rio de janeiro, porque tinham visto novelas na televisão com episódios semelhantes. Maria não disse sim nem não, para valorizar sua experiência e convencer suas amigas de que ela era uma pessoa especial. Foram até sua casa, onde o homem mostrou de novo os folhetos, o Brazil (com Z), o contrato, enquanto Maria explicava que agora tinha um empresário e pretendia seguir uma carreira artística. A mãe, olhando o tamanho do biquíni das moças nas fotos que o estrangeiro lhe apresentava, devolveu-as imediatamente e não quis fazer perguntas - tudo que lhe importava é que sua filha fosse feliz e rica, ou infeliz - mas rica. - Como é o nome dele?
- Roger.
- Rogério! Eu tinha um primo com esse nome! O homem sorriu, bateu palmas, e todos se deram conta de que ele não tinha entendido a pergunta. O pai comentou com Maria:
- Mas ele tem a minha idade.
A mãe pediu que ele não interferisse na felicidade da filha. Como todas as costureiras