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Não dormiu direito. Sonhou que tudo era um sonho. Acordou e viu que não era: havia um vestido na cadeira do quarto modesto, um belo par de sapatos, e um encontro na praia. Do diário de Maria, no dia em que conheceu o suíço: Tudo me diz que estou prestes a tomar uma decisão errada, mas os erros são uma maneira de agir. O que o mundo quer de mim? Que não corra meus riscos? Que volte de onde vim, sem coragem de dizer "sim" para a vida? Já agi errado quando tinha onze anos, e um menino veio me pedir um lápis emprestado; desde então, entendi que às vezes não existe uma segunda oportunidade, é melhor aceitar os presentes que o mundo oferece. Claro que é arriscado, mas será que o risco é maior do que um acidente no ônibus que levou quarenta e oito horas para me trazer até aqui? Se tenho que ser fiel a alguém ou a alguma coisa, em primeiro lugar tenho que ser fiel a mim mesma. Se busco o amor verdadeiro, antes preciso ficar cansada dos amores medíocres que encontrei. A pouca experiência de vida me ensinou que ninguém é dono de nada, tudo é uma ilusão - e isso vai dos bens materiais aos bens espirituais. Quem já perdeu alguma coisa que tinha como garantida (algo que já me aconteceu tantas vezes) termina por aprender que nada lhe pertence.

E se nada me pertence, tampouco preciso gastar meu tempo cuidando das coisas que não são minhas; melhor viver como se hoje fosse o primeiro (ou o último) dia da minha vida. ÇXo dia seguinte, junto com Maílson, o intérprete/segurança, agora se dizendo seu empresário, disse que aceitava o convite, desde que tivesse um documento fornecido pelo consulado suíço. O suíço, que parecia acostumado a tal tipo de exigência, afirmou que aquilo também era desejo seu, já que, para trabalhar na sua terra, uma estrangeira deveria provar que tinha uma ocupação que nenhuma nativa pudesse exercer. Não seria difícil conseguir isso, já que as suíças não tinham grande aptidão para o samba. Foram juntos até o centro da cidade. O segurança/intérprete/empresário exigiu um adiantamento em dinheiro vivo assim que assinaram o contrato, e ficou com 30% dos quinhentos dólares recebidos. - Isso é uma semana de adiantamento. Uma semana, você entende? Irá ganhar quinhentos dólares por semana, limpos, porque só recebo comissão no primeiro pagamento! Até aquele momento, as viagens, a idéia de ir para longe, tudo parecia um sonho - e sonhar é muito confortável, desde que não sejamos obrigados a fazer aquilo que planejamos. Assim, não passamos por riscos, frustrações, momentos difíceis, e quando

ficarmos velhos, poderemos sempre culpar os outros nossos pais, de preferência, ou nossos

maridos, ou nossos filhos - por não termos realizado aquilo que desejávamos. De repente, ali estava a chance que Maria tanto esperava, mas que torcia para que não chegasse nunca! Como enfrentar os desafios e perigos de uma vida que ela não conhecia? Como abandonar tudo aquilo a que estava acostumada? Por que a Virgem decidira ir tão longe?

Maria consolou-se com o fato de que podia mudar de idéia a qualquer momento, tudo não passava de uma brincadeira irresponsável - algo diferente para contar quando voltasse a sua terra. Afinal de contas, morava a mais de mil quilômetros dali, tinha agora trezentos e cinqüenta dólares na carteira, e se amanhã resolvesse fazer as malas e fugir, eles jamais conseguiriam saber onde havia se escondido. Na tarde em que foram ao consulado, ela resolveu passear sozinha pela beira do mar, olhando as crianças, os jogadores de vôlei, os mendigos, os bêbados, os vendedores de artesanato típico brasileiro (fabricado na China), os que corriam e faziam exercícios para afugentar a velhice, os turistas estrangeiros, as mães com seus filhos, os aposentados jogando baralho no final da orla. Tinha vindo ao Rio de janeiro, conhecera um restaurante de primeiríssima classe, um consulado, um estrangeiro, arrumara um empresário, ganhara de presente um vestido e um par de sapatos que ninguém -absolutamente ninguém - em sua terra poderia comprar.

E agora?

Olhou para o outro lado do mar: sua lição de geografia afirmava que, se seguisse em linha reta, iria chegar à África, com seus leões e suas selvas cheias de gorilas. Entretanto, se andasse um pouco para o norte, terminaria colocando os pés no reino encantado chamado Europa, onde existia a torre Eiffel, a Disneylândia européia, e a torre inclinada de Pisa. O que tinha a perder? Como qualquer brasileira, aprendera a sambar antes mesmo de dizer "mamãe"; poderia voltar se não gostasse, e já aprendera que as oportunidades são feitas para serem aproveitadas.

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