– Então – digo lentamente –, está à espera que eu engula um monte de
Se me pedir para engolir comprimidos, terei de arranjar uma escapatória. Posso pô-los debaixo da língua e cuspi-los quando tiver oportunidade. Não me pode obrigar.
Mas, então, os seus lábios curvam-se num sorriso.
– Já o fez, Wendy.
Oh, meu Deus,
Debruço-me de novo para o lava-loiça, mas nada sai. Ao mesmo tempo, o meu estômago é dominado por uma cãibra que me faz subir as lágrimas aos olhos. Apesar das tonturas crescentes, consegui aguentar-me de pé, mas agora deixo-me cair no chão, agarrada ao estômago.
A Marybeth agacha-se ao meu lado.
– Não sei bem quanto tempo isto irá demorar. Mais uma hora? Duas? Não há pressa. Não anda ninguém à nossa procura por aqui.
Ergo o olhar e encaro-a. O seu rosto alterna entre focado e desfocado.
– Por favor, leve-me ao hospital.
– Não me parece.
– Por favor – arquejo. – Tenha piedade...
– Como a Wendy teve piedade do Doug?
Estendo o braço, os meus dedos mal roçando a perna das suas calças de ganga. Tento agarrar-me a ela, mas é como se a minha mão já não obedecesse às minhas ordens.
– Faço tudo o que quiser. Dou-lhe tudo o que quiser. Prometo.
– E eu prometo – responde a Marybeth – que a sua morte será lenta e dolorosa. E, ao contrário de si, eu nunca quebro as minhas promessas.
73
MILLIE
É tempo de enfrentar a situação.
Dormi no carro do Enzo ontem à noite. Sabia que a polícia tinha um mandado para a minha detenção, e simplesmente não estava preparada para ser outra vez encarcerada. Por isso escondi-me, estacionada num beco escuro, e dormi no banco de trás. Houve um tempo em que costumava viver no meu carro, por isso dormir assim deu-me uma séria sensação de
Fez-me também perceber que não posso dormir no banco de trás do carro do Enzo para sempre. Tenho de me entregar e esperar que a verdade venha ao de cima.
Ao estacionar em frente ao meu prédio de apartamentos, espero ver lá metade da polícia, acampada e à minha espera. Ao invés, porém, só lá está um carro-patrulha. Ainda assim, sei que está ali por mim.
Com efeito, mal saio do
– Wilhelmina Calloway? – pergunta.
– Sim – confirmo.
– Poderia fazer o favor de me acompanhar à esquadra?
– Estou detida?
Abana a cabeça.
– Que eu saiba, não. O detetive Ramirez gostaria muito de conversar consigo, mas não é obrigada a ir.
Muito bem, então. É um bom começo.
Subo para o banco de trás do carro-patrulha. Tive o meu telemóvel desligado a noite inteira, e ligo-o agora. Tenho algumas chamadas perdidas da Polícia de Nova Iorque e vinte chamadas não atendidas do Enzo. Deve ter descoberto que lhe levei o carro. Não oiço as mensagens de voz, mas percorro a longa fiada de mensagens de texto que me enviou.
E assim por diante.
As mensagens de texto continuam noite dentro. Passou metade da noite acordado, preocupado comigo. Devo-lhe uma explicação, ou ao menos dizer-lhe que estou bem. Por isso, envio-lhe uma mensagem:
A resposta do Enzo surge quase instantaneamente, como se estivesse a olhar para o telemóvel, à espera de uma mensagem minha:
Respondo-lhe:
Três bolhas aparecem no ecrã enquanto escreve. Espero que diga que me ama ou que estava preocupado, ou talvez que me repreenda por lhe ter roubado o carro. Mas, em vez disso, diz algo extremamente inesperado:
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Desta vez, a sala de interrogatório não parece tão assustadora.
Enquanto estava no carro-patrulha, devorei todos os artigos que pude encontrar sobre o suicídio da Wendy Garrick. Aparentemente, cortou a garganta ao namorado e depois engoliu um monte de comprimidos. Até deixou um bilhete de suicídio.
Isto dá uma dimensão completamente nova ao que aconteceu ao Douglas Garrick.
Há já cerca de meia hora que estou na sala quando o detetive Ramirez finalmente entra. Ainda traz a mesma expressão séria no rosto, mas já não parece tão ominoso. Parece apenas... perplexo.
– Olá, menina Calloway – diz, sentando-se na cadeira à minha frente.