— A colônia dos gai-jin está ao nosso alcance, como nunca antes. Os dois jovens aguardando julgamento apontaram um caminho. Suplico que o siga. — Katsumata hesitou, baixou a voz ainda mais. — Correm rumores, Sire, de que secretamente eles são shishi.
Os olhos de Sanjiro contraíram-se mais ainda.
Os shishi — homens de espírito, assim chamados por causa de sua bravura e de seus feitos — eram jovens revolucionários que vinham desfechando uma revolta sem precedentes contra o xogunato. Representavam um fenômeno recente, e calculava-se que não eram mais do que cento e cinqüenta, em todo o país.
Para o xogunato, e a maioria dos daimios, não passavam de terroristas e loucos, que deviam ser exterminados.
Para a maioria dos samurais, em particular os guerreiros comuns, eram legalistas travando uma batalha total para o bem, querendo obrigar os Toranagas a renunciar ao xogunato, e restaurar todo o poder do imperador, de quem fora usurpado, eles acreditavam com um fervor absoluto, pelo senhor da guerra Toranaga, há dois séculos e meio.
Para muitos plebeus, camponeses e mercadores, em particular para o mundo flutuante de gueixas e casas do prazer, os shishi eram tema de lenda, cantados, chorados, adorados.
Todos eram samurais, jovens idealistas, a maioria procedente dos feudos de Satsuma, Choshu e Tosa, uns poucos eram xenófobos fanáticos, a maioria era ronin — homens das ondas, por serem tão livres quanto as ondas —, samurais sem amo, ou samurais proscritos por seus senhores por desobediência ou algum crime, fugidos de sua província para escapar à punição, ou que haviam partido por opção própria, crendo numa nova e afrontosa heresia: a de que podia existir um dever maior do que era devido a seu senhor ou sua família, um dever exclusivo para com o imperador reinante.
Poucos anos antes, o crescente movimento shishi se formara em células pequenas e secretas, empenhado em redescobrir o bushido — antigas práticas samurais de autodisciplina, dever, honra, morte, habilidade na esgrima e outras atividades guerreiras, artes há muito perdidas, exceto por uns poucos sensei, que haviam mantido vivo o bushido. Haviam se perdido porque durante os últimos dois séculos e meio o Japão vivera em paz, sob o rígido domínio Toranaga, que proibia ações guerreiras, quando antes, por vários séculos, prevalecera a guerra civil total.
Cautelosos, os shishi começaram a se reunir, a discutir e planejar. Escolas de esgrima tornaram-se centros de descontentamento. Fanáticos e radicais emergiram em seu meio, alguns bons, outros maus. Mas um fio comum os unia — todos eram contra o xogunato, e opunham-se à permissão para abrir os portos japoneses aos estrangeiros e seu comércio.
Com esse objetivo, durante os últimos quatro anos, haviam desfechado ataques esporádicos contra os gai-jin, e iniciaram uma revolta total, articulada, sem precedentes, contra o soberano legal, o xógum Nobusada, o todo-poderoso Conselho dos Anciãos e o Bakufu, que em teoria estava sujeito ao xógum, e regulava todos os aspectos da vida.
Os shishi haviam criado um lema amplo, Sonno-joi — Honra ao Imperador e Expulsem os Bárbaros —, e juraram remover qualquer um que obstruísse seu caminho, a qualquer custo.
— Mesmo que eles sejam shishi — declarou Sanjiro, furioso —, não posso permitir que essa desobediência pública fique sem punição, por mais meritória que tenha sido... Concordo que os gai-jin deveriam ter desmontado e se ajoelhado, como determina o costume, e se comportado como pessoas civilizadas. Sem dúvida, foram eles que provocaram, mas isso não desculpa aqueles dois.
— Concordo, Sire.
— Pois então me dê o seu conselho. Se eles são shishi, como você diz, e eu os executar, ou ordenar que cometam o seppuku, serei assassinado antes de o mês terminar, mesmo com todos os meus guardas... Não tente negar, pois eu sei. É lamentável que o poder deles seja tão grande, apesar de a maioria não passar de goshi.
— Talvez esteja nisso a força deles, Sire.
Goshi era o nível mais baixo de samurais, de famílias quase sem dinheiro das áreas rurais, pouco mais do que os camponeses guerreiros dos velhos tempos, quase sem esperança de obter educação e, assim, sem qualquer perspectiva de progresso pessoal, sem possibilidade de impor suas opiniões, que jamais seriam ouvidas pelas autoridades subalternas, muito menos pelos daimios.
— Eles nada têm a perder, a não ser suas vidas — acrescentou Katsumata.
— Se alguém tem uma queixa, eu escuto, claro que escuto. Homens especiais merecem uma educação especial ou pelo menos alguns deles.
— Por que não deixa que eles liderem o ataque aos gai-jin?
— E se não houver nenhum ataque? Não posso entregá-los ao Bakufu, seria inconcebível, nem aos gai-jin.