As persianas estavam abertas, o vento as fazia rangerem. Podia ver o amanhecer. “Céu vermelho pela manhã, o aviso do pastor.” Haverá uma tempestade. Sentou na cama de campanha, verificou a bandagem no braço. Limpa, sem novas manchas de sangue, o que o deixou bastante aliviado. Além da cabeça latejando, o corpo um pouco dolorido, sentia-se recuperado. “Oh, Deus, como eu gostaria de ter me comportado melhor!” Fez um esforço para recordar o resultado da operação, mas era tudo muito vago. Sei que chorei. Não tive a sensação de que chorava, mas as lágrimas fluíam.
Com esforço, ele tratou de afastar os pensamentos sombrios. Saiu da cama e foi abrir as persianas, as pernas agora firmes, com uma enorme fome. Havia um cântaro com água numa mesinha, e ele molhou o rosto, enxaguou a boca, cuspiu a água em seguida na folhagem do jardim. Bebeu um pouco da água, sentiu-se melhor.
Não havia ninguém no jardim, impregnado pelo cheiro de vegetação em decomposição e da maré baixa. Do lugar em que se encontrava, podia avistar uma parte dos muros do templo e o jardim, mas quase que só isso. Através de uma abertura entre as árvores, vislumbrou a casa da guarda, e dois soldados ali.
Notou agora que fora levado para a cama de camisa e com a roupa de baixo de lã. O casaco rasgado e ensangüentado se encontrava numa cadeira, ao lado da calça e das botas de montaria, imundas dos arrozais.
Ora, não importa, pois tenho sorte de haver sobrevivido. Começou a se vestir. Como está Struan? E Babcott... daqui a pouco terei de encará-lo.
Como não havia navalha, não podia fazer a barba. Nem tinha pente. Mas também não importa. Calçou as botas. Podia ouvir no jardim o som de passarinhos, movimentos, uns poucos gritos distantes em japonês, cachorros latindo. Mas não os sons que ouviria numa cidade normal, uma cidade inglesa, como os gritos matutinos de “
Serei dispensado, ele perguntou a si mesmo, o estômago se embrulhando à perspectiva de voltar para casa em ignomínia, um desastre, um fracasso, não mais um membro do Ministério do Exterior de sua ilustre majestade, representante do maior império que o mundo já conhecera. O que Sir William vai pensar de mim? E o que Angelique vai pensar? Graças a Deus que ela escapou para Iocoama... será que ela voltará a falar comigo, quando souber?
Oh, Deus, o que vou fazer?
Malcolm Struan também acordara. Poucos momentos antes, algum sexto sentido, o pressentimento do perigo, um ruído lá fora, o despertara, embora experimentasse a sensação de que há horas permanecia em vigília. Continuou deitado na cama de campanha, consciente de todos os acontecimentos, inclusive da operação, sabendo que fora gravemente ferido e poderia morrer. Cada respiração causava uma dor lancinante. Até mesmo o menor movimento.
Mas não vou pensar na dor, apenas em Angelique, que ela me ama e... Mas por que os pesadelos? Os pesadelos de que ela me odeia e vai embora. Detesto os pesadelos, detesto perder o controle, detesto ter de ficar deitado aqui, detesto me descobrir fraco, quando sempre fui forte, sempre criado à sombra do meu herói, o grande Dirk Struan, o demônio de olhos verdes. Ah, como eu gostaria de ter olhos verdes, e ser tão forte! É o meu modelo, e serei tão bom quanto ele, tenho certeza.
Como sempre, o inimigo, Tyler Brock, nos espreita. O pai e a mãe tentam ocultar de mim a maioria dos fatos, mas é claro que já ouvi os rumores, e sei mais do que eles imaginam. A velha Ah Tok, mais mãe para mim do que minha própria mãe — ela não me carregou no colo até que eu tinha dois anos, não me ensinou cantonês e sobre a vida, não me providenciou a primeira garota?— ela me sussurra os rumores, assim como tio Gordon Chen, que me relata os fatos. A Casa Nobre está balançando.
Não importa, enfrentaremos todos eles. Eu cuidarei de tudo. Para isso é que fui treinado, para isso é que trabalhei por toda a minha vida.
Malcolm empurrou o cobertor para o lado, ergueu as pernas para ficar de pé mas a dor o deteve. Tentou de novo, tornou a fracassar. Não importa, disse a si mesmo, sem muita força. Não há motivo para me preocupar. Cuidarei de tudo mais tarde.
— Mais ovos, Settry? — perguntou Marlowe, tão alto quanto o oficial dos dragões, mas não tão largo nos ombros.
Ambos eram nobres, filhos de oficiais superiores, feições firmes, curtidas pelas intempéries, Marlowe mais do que o outro.