— Por que ele deveria fazer isso? — indagou Sir William, da porta de sua sala, o rosto tenso, a voz ríspida.
— Oh... desculpe, senhor, foi... apenas uma brincadeira.
Um grunhido irritado foi o comentário.
— Phillip, você está de miolo mole! Onde se meteu? Há uma mensagem do
Sir William tornou a entrar em sua sala, fechou a porta, encostou-se nela. Seus olhos foram inexoravelmente atraídos para a pasta de André, bem no meio da mesa. E a tristeza tornou a aflorar.
Depois que Angelique fora embora, ele ficara quase sem se mexer por uma hora, ou mais, tentando tomar uma decisão, desesperado em fazer o que era certo, pois se tratava de fato de uma questão de vida e morte. A mente vagueara para os caminhos de sua própria experiência: a infância na Inglaterra, o posto em Paris, São Petersburgo, sua casa ali, o jardim, rindo com Vertinskya, na primavera, verão, outono e inverno, amando-a; o retorno à Inglaterra, missões nos campos de batalha da Criméia, momentos turbilhonantes, sinistros e indistintos, que ainda o assustavam.
Sentia-se contente pela voz de Phillip tê-lo atraído de volta à normalidade. Mais uma vez, seus olhos vaguearam pela sala, passando pelo fogo e a pasta, fixando-se no rosto jovem e adorável, em miniatura, que lhe sorria. Sentiu o coração partir, como sempre acontecia, mas logo se recuperou. Um pouco menos a cada vez.
Adiantou-se, pegou a miniatura, examinou-a, cada pincelada já gravada em sua memória. Se eu não tivesse o retrato, teria esquecido o rosto dela, como Angelique com seu Malcolm?
— Não há resposta para isso, Vertinskya, minha querida — murmurou ele, desconsolado, à beira das lágrimas, repondo a miniatura na mesa. — Talvez esquecesse... seu rosto... mas nunca você, nunca, nunca, nunca você.
E por mais que tentasse reviver o tempo em que se sentira mais vivo, a pasta de André era como uma porta de ferro a separá-los.
Ele que se dane!
Isso não importa, tome a decisão. Basta de vacilação, ordenou ele a si mesmo. Volte ao trabalho, enfrente o problema, a fim de poder continuar em frente, para coisas mais importantes, como Yoshi e a guerra iminente contra Satsuma... Você é o ministro de sua majestade britânica! Aja como tal!
A única maneira correta e apropriada de lidar com a pasta de André é lacrá-la, escrever um relatório particular sobre o que aconteceu, e quando, o que foi dito e por quem, despachar tudo para Londres e deixar que eles decidam. Há muitos segredos em seus cofres e arquivos. Se eles quiserem que seja mantido em segredo, cabe-lhes tomar essa decisão.
Muito bem, esse é o único curso correto e apropriado.
Confiante de que estava tomando a decisão acertada, Sir William pegou os papéis e jogou-os um a um no fogo, cantarolando para si mesmo, observando-os se enroscarem, enegrecerem e se transformarem em cinzas. Não é uma atitude incorreta. Tais documentos não constituem uma prova irrefutável e, de qualquer maneira, a pobre moça foi uma vítima, André era um agente secreto perigoso e ativo de uma potência inimiga e se for autêntica a metade dos males relatados em seu dossiê secreto, ele bem que merecia ser detonado uma dúzia de vezes. Verdades ou mentiras, neste caso o pó reverte ao pó.
Depois de acabar, ele levantou seu copo para a miniatura, sentindo-se muito bem.
— A você, minha querida — murmurou Sir William.
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J
á era quase meia-noite quando Tyrer finalmente deixou a legação, apressado, e se encaminhou para o cais da Struan. Sua cabeça doía como nunca antes, não tivera tempo para jantar, muito menos para pensar sobre Hiraga ou Fujiko, nenhum tempo para fazer outra coisa que não trabalhar. Levava uma bolsa oficial de despachos do governo de sua majestade e tinha no bolso a tradução que fizera por último, desejando ter sido a primeira coisa. Acelerou os passos.Havia uma multidão no cais. Umas poucas pessoas ali se encontravam para se despedir dos passageiros, mas a maioria cercava ruidosamente o comissário de bordo do