Sempre que o navio de correspondência aparecia, era costume o capitão do porto disparar um tiro de canhão, a fim de alertar a colônia... um procedimento que se repetia no mundo inteiro, onde quer que houvesse colônias.
— Ouvi, sim — respondeu Struan. — Antes de me dar a má notícia, feche aquela porta, e me traga o urinol.
McFay obedeceu. Do outro lado da porta havia uma sala e, mais além, outro cômodo, o melhor de todo o prédio, normalmente reservado ao
— Vocês enlouqueceram — declarara McFay a alguns, no clube, durante a noite passada. — O pobre coitado se acha num estado lamentável.
O Dr. Babcott garantira:
— Ele vai estar de pé e andando muito antes do que você imagina.
— Já posso ouvir os sinos nupciais! — exclamara alguém.
— Drinques por conta da casa! — gritara outro, expansivo. — Temos um casamento aqui, nosso primeiro casamento!
— Já tivemos muitos casamentos, Charlie. Esqueceu as nossas
— Ora, pelo amor de Deus! Elas não contam. Estou me referindo a um verdadeiro casamento na igreja... um batizado cristão...
— Por Jeová, insinua por acaso que já tem alguma coisa no forno?
— O rumor é de que os dois se comportavam como pombinhos no navio, ao virem para cá... não que eu o culpe por isso...
— Mas eles nem mesmo estavam noivos nessa ocasião! Diga isso de novo, insultando a honra da moça, e vai pagar caro!
McFay suspirara. Uns poucos murros embriagados, garrafas quebradas e os dois homens foram expulsos, para voltar rastejando, uma hora depois, com uma recepção estrondosa. Ao retornar ao prédio, ele resolvera dar uma olhada, antes de ir para a cama. Malcolm dormia, e Angelique cochilava numa cadeira, ao lado da cama. Acordara-a, gentilmente, e murmurara:
— É melhor ir dormir um pouco, Srta. Angelique. Ele não vai acordar agora.
— Tem razão, Jamie. Obrigada.
McFay observara-a se espreguiçar, como uma jovem felina satisfeita, os cabelos espalhando-se sobre os ombros nus, o vestido de cintura alta e folgado, caindo em dobras, no estilo que a imperatriz Josephine tanto apreciava, cinqüenta anos antes, e que o pessoal da
O suor aflorou em Struan. Era imenso o esforço para usar o urinol, com pouco resultado por toda a dor, nada de fezes, e apenas um pouco de urina, misturada com sangue.
— Agora, Jamie, pode me dizer qual é a má notícia?
— Deve compreender...
— Pelo amor de Deus, Jamie, diga logo!
— Seu pai faleceu há nove dias, no mesmo dia em que o navio de correspondência deixou Hong Kong, vindo direto para cá, sem passar por Xangai. O funeral seria três dias depois. Sua mãe pede-me para providenciar seu retorno imediato. Nosso navio de correspondência, que levou notícias suas, não vai chegar a Hong Kong antes de quatro ou cinco dias, no mínimo. Sinto muito.
Struan só ouvira a primeira frase. A notícia não era inesperada, mas ainda assim foi um golpe tão violento quanto o ferimento que recebera no flanco.
Sentia-se ao mesmo tempo muito contente e muito feliz, excitado porque finalmente poderia dirigir de fato a companhia, uma função para a qual fora preparado durante toda a sua vida. Há anos que a companhia vinha se esvaindo, há anos que era sustentada pela mãe, que persuadia, adulava, orientava e ajudava o pai, nos momentos difíceis. Tais momentos eram constantes, devido em grande parte à bebida, o medicamento que o pai usava para atenuar as dores de cabeça e os acessos da doença do Happy Valley, a malária, a febre misteriosa e mortal que dizimara a população inicial de Hong Kong, mas agora, às vezes, era contida pelo extrato de uma casca de árvore, o quinino.
Não posso me lembrar de um único ano em que o pai não tenha ficado de cama pelo menos duas vezes, com as tremedeiras, por um mês ou mais, a mente vagueando por dias a fio. Nem mesmo as infusões da casca de cinchona, de valor inestimável, que o avô trouxe do Peru, conseguiram curá-lo, embora impedissem que a febre o matasse, assim como a quase todos os outros. Mas não salvaram a pobre Mary, com apenas quatro anos de idade na ocasião, quando eu tinha sete. Nunca mais esqueci sua morte, seu significado, a fragilidade da vida.