A
estalagem dos quarenta e sete ronin ficava numa viela suja, não muito longe do castelo de Iedo, afastada da estrada de terra, e quase escondida por uma cerca alta e malcuidada. Da rua, a estalagem parecia sórdida e ordinária. Mas o interior era opulento, a cerca sólida. Jardins bem cuidados cercavam o prédio amplo, de um só andar, e os muitos bangalôs isolados, de um só cômodo, erguidos sobre estacas baixas, e reservados a hóspedes especiais... e para a privacidade. Os frequentadores da estalagem eram prósperos mercadores, mas também era uma casa segura para determinadosAgora, pouco antes do amanhecer, prevalecia o sossego, com todos os fregueses, cortesãs,
Ori sentava na varanda de um dos bangalôs , o quimono arriado na cintura. Com extrema dificuldade, trocava a bandagem do ferimento no ombro. O ferimento exibia agora uma coloração vermelha acentuada e se tornara bastante doloroso. Todo o seu braço latejava e ele sabia que precisava urgente de um médico. Mesmo assim, dissera a Hiraga que era perigoso demais trazer um até ali ou sair à sua procura:
— Posso ser seguido. Não devemos nos arriscar, pois há muitos espiões por aqui. Iedo é um santuário de Toranaga.
— Concordo. Volte para Kanagawa.
— Depois que a missão for concluída.
O dedo de Ori escorregou e roçou no ferimento infeccionado, provocando uma pontada de dor que percorreu todo o seu corpo. Não há pressa, um médico pode lancetar e remover todo o veneno, pensou ele, apenas parcialmente acreditando nisso. Karma. E karma se continuar a apodrecer. Ele estava tão distraído que não notou o ninja passar por cima da cerca e se erguer por trás dele. Seu coração disparou no susto quando o ninja pôs a mão em sua boca, a fim de impedir qualquer barulho.
— Sou eu! — sussurrou Hiraga, furioso, soltando-o em seguida. — Eu poderia tê-lo matado vinte vezes.
— É verdade. — Ori forçou um sorriso e apontou. Entre as moitas, havia outro samurai, a flecha em posição no arco.— Mas é ele quem monta guarda, não eu.
— Otimo. — Hiraga cumprimentou o guarda, apaziguado, removeu a máscara que cobria seu rosto. — Os outros estão lá dentro e prontos, Ori?
— Estão, sim.
— E seu braço? — Não sinto nada.
Ori suspirou e o rosto se contorceu em dor, no momento em que Hiraga estendeu a mão e apertou seu ombro. Lágrimas afloraram aos olhos, mas ele permaneceu em silêncio.
— Você seria um peso morto. Não pode ir conosco hoje. Terá de voltar para Kanagawa.
Hiraga atravessou a varanda, entrou no bangalô. Desanimado, Ori seguiu-o. Havia onze
— Não consegui chegar nem a duzentos passos do templo ou da legação. Não poderemos atirar e matar lorde Yoshi e os outros quando chegarem. Teremos de emboscá-los em outro lugar.
— Com licença, Hiraga-san, mas tem certeza de que é mesmo lorde Yoshi? — indagou um dos homens de Mori.
— Tenho, sim.
— Ainda não posso acreditar que ele se arriscasse a sair do castelo com uns poucos guardas só para se encontrar com alguns
— Ele não é tão esperto assim e pude reconhecê-lo — garantiu Hiraga, que não confiava nos samurai
— Depende do número de samurai
— Se? Lorde Yoshi tentaria algum estratagema?
— Eu tentaria, se estivesse em seu lugar. E ele é conhecido como Raposa.
— O que você faria?
O homem coçou o queixo.
— Encontraria algum jeito de adiar o encontro.
Hiraga franziu o rosto.
— Mas se ele for à legação, como ontem, onde ficaria mais vulnerável?
— Ao sair de seu palanquim — respondeu Ori. — No pátio dos
— Não podemos chegar lá, mesmo com um ataque suicida. O silêncio se prolongou, até que Ori voltou a falar:
— Quanto mais próximo dos portões do castelo, mais seguros seus comandantes se sentiriam, menos seriam os guardas mais próximos, e menor a vigilância na entrada... ou na volta.
Hiraga acenou com a cabeça, satisfeito, sorriu para Ori e disse a um de seus compatriotas:
— Assim que a casa despertar, diga a
Ori se apressou em protestar:
— Concordamos que não seria seguro.