Maria imediatamente entendeu. Era culpa da agência de modelos? Era culpa sua, que devia ter perguntado melhor a respeito do jantar? Não era culpa da agência, nem dela, nem do árabe: era assim mesmo que as coisas funcionavam. De repente, sentiu que precisava do sertão, do Brasil, do colo de sua mãe.
Lembrou-se do aviso de Maílson, na praia, quando ele falara em trezentos dólares; naquela época julgara engraçado, acima do que esperava receber por uma noite com um homem. Entretanto, naquele momento, deu-se conta de que não tinha mais ninguém, absolutamente ninguém no mundo com quem pudesse conversar; estava sozinha, em uma cidade estranha, com vinte e dois anos relativamente bem vividos, mas inúteis para ajudá-la a resolver qual seria a melhor resposta. - Sirva- me mais vinho, por favor.
O árabe colocou mais vinho em seu copo, enquanto o pensamento viajava mais rápido que o Pequeno Príncipe em seu passeio por diversos planetas. Viera em busca de aventura, dinheiro, e talvez um marido, sabia que ia terminar recebendo propostas como essa, porque não era inocente e já se acostumara com o comportamento dos homens. Mas ainda acreditava em agências de modelos, estrelato, um marido rico, família, filhos, netos, roupas,
retorno vitorioso à cidade onde nascera. Sonhava em superar todas as dificuldades apenas
com a sua inteligência, seu charme, sua força de vontade. A realidade acabara de desabar em sua cabeça. Para surpresa do árabe, ela começou a chorar. O homem, dividido entre o medo do escândalo e o instinto masculino de proteger a moça, não sabia o que fazer. Fez sinal para o garçom para pedir logo a conta, mas Maria o interrompeu:
- Não faça isso. Sirva- me mais vinho, e deixe- me chorar um pouco. E Maria pensou no menino que lhe pedira um lápis, no rapaz que a beijara de boca fechada, na alegria de conhecer o Rio de janeiro, nos homens que a tinham usado sem dar nada em troca, nas paixões e nos amores perdidos ao longo de toda a sua caminhada. Sua vida, apesar da aparente liberdade, era um sem- fim de horas esperando um milagre, um amor verdadeiro, uma aventura com o mesmo final romântico que sempre vira nos filmes e lera nos livros. Um autor escrevera que o tempo não transforma o homem, a sabedoria não transforma o homem - a única coisa que pode fazer alguém mudar de idéia é o amor. Que tolice! Quem escreveu aquilo conhecia apenas um lado da moeda. Realmente, o amor era a primeira coisa capaz de mudar totalmente a vida de uma pessoa de um momento para o outro. Mas existia o outro lado da moeda, aquilo que fazia o ser humano tomar um curso totalmente distinto do que havia planejado: chamava-se desespero. Sim, talvez o amor fosse capaz de transformar alguém; o desespero, no entanto, transforma mais rápido. E agora, Maria? Devia sair correndo, voltar para o Brasil, transformar-se em professora de francês, casar como dono da casa de tecidos? Devia ir um pouco mais adiante, uma só noite, em uma cidade em que não conhecia ninguém e ninguém a conhecia? Será que uma só noite, e o dinheiro tão fácil, a fariam continuar seguindo adiante, até um ponto do caminho de onde não poderia mais voltar? O que estava acontecendo naquele minuto: uma grande oportunidade, ou um teste da Virgem Maria? Os olhos do árabe passeavam pelo quadro de Joan Miró, pelo lugar onde Fellini comia, pela moça que guardava os casacos, pelos clientes que entravam e os que saíam. - Você não sabia?
- Mais vinho, por favor - foi a resposta de Maria, ainda entre lágrimas. Rezava para que o garçom não se aproximasse e descobrisse o que estava acontecendo - e o garçom, que assistia a tudo a distância com o rabo do olho, rezava para que o homem com a garota pagasse logo a conta, porque o restaurante estava repleto e havia gente esperando.
Finalmente, depois do que parecia ser uma eternidade, ela falou: - Você disse um drink por mil francos?
A própria Maria estranhou o tom de sua voz. - Sim - respondeu o árabe, já arrependido de ter feito a proposta. - Mas eu não quero de maneira nenhuma...
- Pague a conta. Vamos tomar este drink no seu hotel. De novo, parecia uma estranha para si mesma. Até então fora uma moça gentil, educada, alegre, e jamais teria usado este tom de voz com um estranho. Mas parecia que aquela moça havia morrido para sempre: diante dela estava uma outra existência, onde os drinks custavam mil francos, ou, em uma moeda mais universal, em torno de seiscentos dólares.
E tudo ocorreu exatamente conforme o esperado: foi para o hotel com o árabe, bebeu champanha, embriagou-se quase que completamente, abr iu as pernas, esperou que ele tivesse um orgasmo (não lhe ocorreu fingir que também quisesse um), lavou-se no banheiro de mármore, pegou o dinheiro, e deu-se ao luxo de pagar um táxi até em casa.
Atirou-se na cama e dormiu uma noite sem sonhos.
Do diário de Maria, no dia seguinte: