parecer mais esperta do que sou: chega!" Lembrou-se da agência de modelos. Será que sabiam o que queria o árabe - e neste caso mais uma vez Maria tinha bancado a ingênua - ou tinham realmente pensado que ele era capaz de arranjar um trabalho em seu país? Fosse o que fosse, Maria se sentia menos só naquela manhã cinzenta de Genève, com a temperatura quase chegando próximo a zero, os curdos se manifestando, os bondes chegando no horário em cada parada, as lojas recolocando jóias nas vitrines, os bancos abrindo, os mendigos dormindo, os suíços indo para o trabalho. Estava menos só porque ao seu lado havia uma outra mulher, talvez invisível para os que passavam. Jamais tinha notado sua presença, mas ela estava ali. Sorriu para a mulher invisível ao seu lado, que se parecia com a Virgem Maria, a mãe de Jesus. A mulher sorriu de volta, disse que tomasse cuidado, pois as coisas não eram tão simples como estava pensando. Maria não deu importância ao conselho, respondeu que era uma pessoa adulta, responsável por suas decisões, e não podia acreditar que havia uma conspiração cósmica contra ela. Aprendera que existe gente disposta a pagar mil francos suíços por uma noite, por meia hora entre suas pernas, e tudo que precisaria decidir, nos próximos dias, era se pegava os mil francos suíços que agora tinha em casa, comprava uma passagem de avião e voltava para a cidade onde nascera. Ou se ficava mais um pouco, o suficiente para comprar uma casa para os pais, belos vestidos e passagens para lugares que sonhara visitar um dia.
A mulher invisível ao seu lado tornou a insistir que as coisas não eram tão simples assim. Maria, embora contente com a companhia inesperada, pediu que não interrompesse seus pensamentos, a vida era mesmo mais complexa do que pensava. Voltou a analisar, desta vez com mais cuidado, a possibilidade de retornar ao Brasil. Suas amigas de colégio, que nunca tinham saído de lá, iriam logo comentar que fora mandada embora do emprego, que jamais tivera talento para ser uma estrela internacional. Sua mãe ficaria triste porque nunca tinha recebido a mesada prometida - embora Maria, em suas cartas, afirmasse que o correio estava roubando o dinheiro. Seu pai a olharia o resto da vida com aquela expressão de "eu sabia", ela voltaria a trabalhar na loja de tecidos, se casaria com o dono, depois de ter viajado de avião, comido queijo suíço na Suíça, aprendido francês e pisado na neve.
Por outro lado, existiam os drinks de mil francos suíços. Talvez não durasse muito tempo - afinal, a beleza muda rápido como o vento -, e em um ano tivesse dinheiro para recuperar tudo e voltar ao mundo, desta vez ditando ela mesma as regras do jogo. Seu único problema concreto era que não sabia o que fazer, como começar. Em seus tempos na boate familiar, uma meça mencionara um lugar chamado Rue de Berne - aliás, fora um dos seus primeiros comentários, antes mesmo de mostrar onde devia deixar as malas. Foi até um dos grandes painéis em que se encontravam vários lugares de Genève, aquela cidade tão gentil com os turistas, que não gostava de vê-los perdidos - e, para evitar isso, esses painéis tinham anúncios de um lado e mapas do outro. Um homem estava ali, e ela perguntou se ele sabia onde ficava a Rue de Berne. Ele a olhou intrigado, e perguntou se era exatamente isso que estava procurando, ou se queria saber onde ficava a estrada que ia até Berne, a capital da Suíça. - Não - respondeu Maria -, quero a tal rua que fica aqui mesmo. O homem olhou-a de alto a baixo e afastou-se sem dizer uma palavra, certo de que estava sendo filmado para um daqueles programas de TV, em que a grande alegria do
público é ver como todos podem parecer ridículos. Maria ficou quinze minutos ali parada -
afinal a cidade era pequena - e terminou encontrando o local. Sua amiga invisível, que tinha ficado calada enquanto ela se concentrava no mapa, agora tentava argumentar; não era uma questão de moral, mas de entrar em um caminho sem volta.
Maria respondeu que, se fosse capaz de ter dinheiro para voltar da Suíça, seria capaz de sair de qualquer situação. Além do mais, nenhuma daquelas pessoas com as quais cruzava no seu passeio tinha escolhido o que desejava fazer. Essa era a realidade da vida. "Estamos em um vale de lágrimas", disse à amiga invisível. "Podemos ter muitos sonhos, mas a vida é dura, implacável, triste. O que você quer me dizer? Que irão me condenar? Ninguém saberá, e isso será apenas um período de minha vida." Com um sorriso doce, mas triste, a amiga invisível desapa receu.