Naquele momento, Maria aprendeu que certas coisas se perdem para sempre. Aprendeu também que existia um lugar chamado "longe", que o mundo era vasto, sua aldeia era pequena, e as pessoas mais interessantes sempre terminavam indo embora. Gostaria também de poder partir, mas ainda era muito jovem; mesmo assim, olhando as ruas empoeiradas da cidadezinha onde morava, decidiu que um dia seguiria os passos do menino. Nas no ve sextas-feiras que se seguiram, conforme um costume de sua religião, comungou e pediu à Virgem Maria que algum dia a tirasse dali. Também sofreu por algum tempo, tentando inutilmente encontrar a pista do garoto, mas ninguém sabia para onde seus pais haviam se mudado. Maria então começou a achar o mundo grande demais, o amor algo muito perigoso, e a Virgem uma santa que habitava um céu distante, e não ligava para o que as crianças pediam. No dia seguinte,
Três anos se passaram, ela aprendeu geografia e matemática, começou a acompanhar as novelas na TV, leu na escola suas primeiras revistas eróticas, e passou a escrever um diário falando da sua vida monótona, e da vontade que tinha de conhecer aquilo que lhe
ensinavam - oceano, neve, homens de turbante, mulheres elegantes e cobertas de jóias. Mas
como ninguém pode viver de vontades impossíveis - principalmente quando a mãe é costureira e o pai não pára em casa -, logo entendeu que precisava prestar mais atenção ao que se passava a sua volta. Estudava para vencer, ao mesmo tempo em que procurava alguém com quem pudesse compartilhar seus sonhos de aventuras. Quando completou quinze anos, apaixonou-se por um rapaz que conhecera em uma procissão na Semana Santa.
Não repetiu o erro da infância: conversaram, ficaram amigos, passaram a ir ao cinema e às festas juntos. Também notou que, assim como acontecera com o menino, o amor estava mais associado à ausência que à presença da pessoa: vivia sentindo falta do rapaz, passava horas imaginando sobre o que iam conversar no próximo encontro, e relembrava cada segundo que estiveram juntos, procurando descobrir o que tinha feito de certo ou errado. Gostava de ver a si mesma como uma moça experiente, que já deixara uma grande paixão escapar, sabia a dor que isso causava - e agora estava decidida a lutar com todas as forças por este homem, pelo casamento, que este seria o homem para o casamento, os filhos, a casa em frente ao mar. Foi conversar com a mãe, que implorou: - Ainda é muito cedo, minha filha.
- Mas a senhora casou-se com meu pai quando tinha dezesseis anos. A mãe não queria explicar que fora por causa de uma gravidez inesperada, de modo que usou o argumento "os tempos são outros", encerrando o assunto. No dia seguinte, os dois foram caminhar por um campo nos arredores da cidade. Conversavam um pouco, Maria perguntou se ele não tinha vontade de viajar, mas em vez de responder, ele a agarrou em seus braços e lhe deu um beijo. O primeiro beijo de sua vida! Como sonhara com aquele momento! E a paisagem era especial - as garças voando, o pôrdo-sol, a região semi-árida com sua beleza agressiva, o som de uma música ao longe. Maria fingiu reagir contra o avanço, mas logo o abraçou e repetiu aquilo que vira tantas vezes no cinema, nas revistas e na TV: esfregou com alguma violênc ia os seus lábios nos dele, mexendo a cabeça de um lado para o outro, em um movimento meio ritmado, meio descontrolado. Sentiu que, de vez em quando, a língua do rapaz tocava os seus dentes, e achou aquilo delicioso. Mas ele parou de beijá-la de repente.
- Você não quer? - perguntou.
Que devia responder? Que queria? Claro que queria! Mas uma mulher não deve expor-se desta maneira, principalmente para o seu futuro marido, ou ele ficará o resto da vida desconfiado de que ela aceita tudo com muita facilidade. Preferiu não dizer nada. Ele abraçou-a de novo, repetindo o gesto, desta vez com menos entusiasmo. Tornou a parar, vermelho - e Maria sabia que algo estava muito errado, mas tinha medo de perguntar. Pegou-o pelas mãos e caminharam até a cidade, conversando sobre outros assuntos, como se nada tivesse acontecido.
Naquela noite, escolhendo algumas palavras difíceis, porque achava que um dia tudo o que escrevesse seria lido, e certa de que algo muito grave se passara, anotou no seu diário:
Quando nos encontramos com alguém e nos apaixonamos, temos a impressão de que todo o universo está de acordo; hoje eu vi isso acontecer no pôr-do-sol. Entretanto, se algo dá errado, não sobra nada! Nem as garças, nem a música ao longe, nem o sabor dos lábios dele. Como é que pode desaparecer tão rápido a beleza que ali estava fazia poucos minutos? A vida é muito rápida; faz a gente ir do céu ao inferno em questão de segundos.
No dia seguinte foi conversar com as amigas. Todas viram quando ela saíra para