A moça do bar escutava, assustada. O químico parecia não prestar atenção. Mas talvez fosse o álcool, talvez a sensação de que em breve seria de novo uma mulher do interior, talvez a grande alegria de poder dizer em que trabalhava, e rir das reações chocadas, dos olhares de crítica, dos gestos de escândalo. - Entendeu bem, Sr. Hart? De alto a baixo, dos pés à cabeça, sou uma prostituta, e essa é a minha qualidade, minha virtude! Ele não disse nada. E não se moveu. Maria sentiu sua confiança voltando. - E o senhor é um pintor que não entende de seus modelos. Talvez o químico sentado ali, distraído, dormindo, seja na verdade um ferroviário. E todas as outras pessoas no seu quadro sejam sempre aquilo que não são. Se não fosse assim, jamais diria que podia ver uma "luz especial" em uma mulher que, como descobriu durante a pintura, NÃO PASSA DE UMA PROS-TI-TU-TA!
As palavras finais foram pronunciadas lentamente, em voz alta. O químico acordou, e a moça do bar trouxe a conta.
- Não tem nada a ver com a prostituta, mas com a mulher que você é. - Ralf ignorou a conta, e respondeu também pausadamente, mas em voz baixa. - Tem brilho. A luz que vem da força de vontade, de alguém que sacrifica coisas importantes, em nome de outras coisas que julga mais importantes ainda. Os olhos, esta luz se manifesta nos olhos.
Maria sentiu-se desarmada; ele não aceitara sua provocação. Quis acreditar que
desejava seduzi-Ia, nada mais. Estava proibida de pensar - pelo menos pelos próximos noventa dias - que existem homens interessantes na face da terra. - Você está vendo este licor de anis diante de você? - ele continuou. - Pois você vê apenas um licor de anis. Eu, entretanto, como preciso entrar no que faço, vejo a planta de onde nasceu, as tempestades que esta planta enfrentou, a mão que colheu os grãos, a viagem de navio de um outro continente até aqui, os cheiros e cores que esta planta, antes de ser colocada no álcool, deixou que a tocassem e que fizessem parte dela. Se algum dia eu pintasse esta cena, pintaria isso tudo, embora, ao ver o quadro, você acreditasse que estava diante de um simples copo de licor de anis. "Da mesma maneira, enquanto você olhava a rua e pensava - porque sei que pensava - no Caminho de Santiago, eu pintei sua infância, sua adolescência, seus sonhos desfeitos no passado, seus sonhos no futuro, sua vontade - que é o que mais me intriga. Quando você viu seu quadro..."
Maria abriu a guarda, sabendo que seria muito difícil fechá- la adiante. - Eu vi esta luz... embora ali estivesse apenas uma mulher parecida com você. De novo veio o silêncio constrangedor. Maria olhou o relógio. - Preciso ir dentro de poucos minutos. Por que você disse que sexo é aborrecido? - Você deve saber melhor do que eu.
- Eu sei porque trabalho nisso. Então faço a mesma coisa todos os dias. Mas você é um homem de trinta anos...
- Vinte e nove...
- ... Jovem, atraente, famoso, que devia ainda estar interessado nestas coisas, e não precisava ir à Rue de Berne para arranjar companhia. - Precisava sim. Fui para a cama com algumas de suas colegas, não porque tivesse problemas para arranjar companhia. Meu problema é comigo mesmo. Maria sentiu uma ponta de ciúme, e ficou apavorada. Entendia agora que realmente precisava ir.
- Era minha última tentativa. Agora desisti - disse Ralf, começando a juntar o material espalhado pelo chão.
- Você tem algum problema físico?
- Nenhum. Apenas desinteresse.
Não era possível.
- Pague a conta. Vamos caminhar. Na verdade, acho que muita gente sente a mesma coisa, e ninguém diz; é bom conversar com alguém tão sincero. Saíram pelo Caminho de Santiago, era uma subida e uma descida que terminava no rio, que terminava no lago, que terminava nas montanhas, que terminava em um remoto lugar da Espanha. Passaram por gente que voltava do almoço, mães com seus carrinhos de bebê, turistas que tiravam fotos do belo jato de água no meio do lago, mulheres muçulmanas com a cabeça coberta por um lenço, rapazes e moças fazendo jogging, todos peregrinos em busca desta cidade mitológica, Santiago de Compostela, que talvez nem mesmo existisse, fosse uma lenda na qual as pessoas precisam acreditar para dar um sentido a suas vidas. No caminho percorrido por tanta gente, há tanto tempo, também andavam aquele homem de cabelos longos carregando uma pesada sacola cheia de pincéis, tintas, telas, lápis, e a moça um pouco mais jovem, com uma bolsa cheia de livros sobre administração de fazendas. A nenhum dos dois ocorreu perguntar por que faziam aquela peregrinação juntos, era a coisa mais normal do mundo, ele sabia tudo sobre ela, embora ela nada soubesse sobre ele.
E por causa disso, resolveu perguntar - agora perguntava tudo. No começo ele fez o