ao trabalho, à escola, a uma agência de empregos, à Rue de Berne, sempre dizendo: "Posso esperar um pouco mais. Tenho um sonho, mas ele não precisa ser vivido hoje, porque preciso ganhar dinheiro." Claro, seu emprego era amaldiçoado - mas no fundo tratava-se apenas de vender seu tempo, como todo mundo. Fazer coisas de que não gostava, como todo mundo. Aturar gente insuportável, como todo mundo. Entregar seu precioso corpo e sua preciosa alma em nome de um futuro que nunca chegava, como todo mundo. Dizer que ainda não tinha o bastante, como todo mundo. Aguardar só mais um pouquinho, como todo mundo. Esperar mais um pouco, ganhar algo mais, deixar para realizar seus desejos depois, no momento estava muito ocupada, tinha uma oportunidade diante de si, clientes que a esperavam, que eram fiéis, que podiam pagar de trezentos e cinqüenta até mil francos por noite.
E pela primeira vez na vida, apesar de todas as coisas boas que podia comprar com o dinheiro que ganhasse - quem sabe, apenas mais um ano? -, ela resolveu consciente, lúcida e propositadamente deixar passar uma oportunidade. Maria esperou que o sinal abrisse, atravessou a rua, parou diante do relógio de flores, pensou em Ralf, sentiu de novo o seu olhar de desejo na noite em que abaixara parte de seu vestido, sentiu suas mãos lhe tocando os seios, o sexo, o rosto, ficou molhada, olhou para a imensa coluna de água a distância, e sem precisar tocar uma só parte de seu corpo - teve um orgasmo ali, na frente de todo mundo.
Ninguém notou; todos estavam muito, muito ocupados. Nyah, a única de suas colegas com que tinha uma relação próxima do que se poderia chamar de amizade, chamou-a assim que entrou. Estava sentada com um oriental, e os dois riam. - Veja isso - disse a Maria. - Veja o que quer que eu faça com ele! O oriental, fazendo um olhar cúmplice e mantendo o sorriso nos lábios, abriu a tampa de uma espécie de caixa de charutos. De longe, Milan espichou o olho para ver se não se tratava de seringas ou drogas. Não, era apenas aquela coisa que nem ele entendia direito como funcionava, mas não era nada de especial. - Parece coisa do século passado! - disse Maria. - É coisa do século passado - concordou o oriental, indignado com a ignorância do comentário. - Este aí tem mais de cem anos, e custou uma fortuna. O que Maria via era uma série de válvulas, uma manivela, circuitos elétricos, pequenos contatos de metal, pilhas. Parecia o interior de um antigo aparelho de rádio, com dois fios saindo, em cujas extremidades estavam pequenos bastões de vidro, do tamanho de um dedo. Nada que pudesse custar uma fortuna. - Como funciona?
Nyah não gostou da pergunta de Maria. Embora confiasse na brasileira, as pessoas mudam de uma hora para outra, e ela podia estar de olho no seu cliente. - Ele já me explicou. É o Bastão Violeta. E, virando-se para o oriental, sugeriu que saíssem, porque decidira aceitar o convite. Mas o homem parecia entusiasmado com o interesse que seu brinquedo despertava. - Por volta de 1900, quando as primeiras pilhas começaram a circular no mercado, a medicina tradicional começou a fazer experiências com eletricidade, para ver se curava doenças mentais ou histeria. Também foi usada para combater espinhas e estimular a vitalidade da pele. Está vendo estas duas extremidades? Elas eram colocadas aqui -apontou para suas têmporas - e a bateria provocava a mesma descarga estática que sofremos quando o ar está muito seco.
Aquilo era uma coisa que jamais acontecia no Brasil, mas na Suíça er a muito comum,
Maria descobrira quando certo dia, ao abrir a porta de um táxi escutara um estalido e levara um choque. Achou que tinha sido um problema do carro, reclamou, disse que não ia pagar a corrida, e o chofer quase a agrediu, chamando-a de ignorante. Ele tinha razão; não era o carro, era o ar muito seco. Depois de vários choques, passou a ter medo de tocar em qualquer coisa de metal, até que descobriu em um supermercado uma pulseira que descarregava a eletricidade acumulada no corpo. Virou-se para o oriental:
- Mas é extremamente desagradável!
Nyah estava cada vez mais impaciente com os comentários de Maria. Para evitar futuros conflitos com sua única possível amiga, mantinha o braço em torno do ombro do homem, de modo a não deixar nenhuma dúvida sob re a quem ele pertencia. - Depende de onde você colocar - o oriental riu alto. Em seguida, girou a pequena manivela, e os dois bastões pareceram ficar da cor violeta. Em um movimento rápido, ele encostou-os nas duas mulheres; houve o estalido, mas o choque parecia mais uma espécie de coceira que dor. Milan aproximou-se.
- Por favor, não use isso aqui.