Pensou em faltar ao encontro, hospedar-se em um hotel perto do aeroporto, já que o vôo saía na manhã seguinte; a partir de agora, cada minuto passado ao seu lado seria um ano de sofrimento no futuro, por tudo aquilo que ela poderia ter dito e não diria, pelas lembranças da sua mão, de sua voz, de seu apoio, de suas histórias. Abriu de novo a mala, retirou o pequeno vagão do trem elétrico que ele lhe dera na primeira noite em seu apartamento. Contemplou-o por alguns minutos e jogou-o no lixo;
aquele trem não merecia conhecer o Brasil, tinha sido inútil e injusto para com a criança
que sempre o desejara.
Não, não iria à igreja; talvez ele lhe perguntasse algo, e se respondesse a verdade - "estou indo embora" - ele iria pedir que ficasse, prometeria tudo para não perdê- la naquele momento, declararia seu amor já demonstrado em todo o tempo que passaram juntos. Mas tinham aprendido a conviver em liberdade, e nenhuma outra relação iria dar certo - talvez esta fosse a única razão pela qual ambos se amavam, porque sabiam que um não precisava do outro. Os homens sempre se assustam quando uma mulher diz "eu quero depender de você", e Maria gostaria de levar consigo a imagem de um Ralf Hart apaixonado, entregue, pronto a qualquer coisa por ela.
Ainda tinha tempo de decidir se ia ou não ao encontro; no momento precisava concentrar-se em coisas mais práticas. Viu quantas coisas tinha deixado fora das malas, sem saber onde colocá-las. Resolveu que o dono do imóvel tomaria a decisão, quando entrasse no apartamento e encontrasse os eletrodomésticos na cozinha, os quadros comprados em um mercado de segunda mão, as toalhas e as roupas de cama. Não poderia levar nada disso para o Brasil, mesmo que seus pais necessitassem mais do que qualquer mendigo suíço; elas sempre iriam lembrá-la de tudo a que se aventurou. Saiu, foi até o banco e pediu para retirar todo o dinheiro que tinha ali depositado. O gerente - que já freqüentara sua cama disse que era uma má idéia, aqueles francos poderiam continuar rendendo, e ela receberia os juros no Brasil. Além do mais, caso fosse roubada, seriam muitos meses de trabalho perdido. Maria hesitou por um momento, achando - como sempre achava - que estavam querendo ajudá- la de verdade. Mas, depois de refletir um pouco, concluiu que o objetivo daquele dinheiro não era transformar-se em mais papel, mas em uma fazenda, uma casa para seus pais, algumas cabeças de gado e muito mais trabalho. Retirou cada centavo, colocou em uma pequena bolsa que comprara especialmente para a ocasião, e amarrou-a na cintura, por baixo da roupa. Foi até a agência de viagens, rezando para que tivesse coragem de ir adiante; quando quis mudar a passagem, lhe disseram que o vôo do dia seguinte tinha uma escala em Paris, para troca de avião. Não tinha importância - o que precisava era estar longe dali antes que pudesse pensar duas vezes.
Caminhou até uma das pontes, comprou um sorvete embora já começasse a esfriar de novo - e olhou Genève. Então tudo lhe pareceu diferente, como se tivesse acabado de chegar e precisasse ir aos museus, aos monumentos históricos, aos bares e restaurantes da moda. Engraçado que, quando se mora em uma cidade, se mpre se deixa para conhecê-la depois - e geralmente acabamos não a conhecendo nunca. Pensou em ficar contente porque estava voltando a sua terra, mas não conseguiu. Pensou em ficar triste por estar deixando uma cidade que a tratara tão bem, e tampouco conseguiu. A única coisa que pôde fazer foi derramar algumas lágrimas, com medo de si mesma, uma moça inteligente, que tinha tudo para ser bem-sucedida, mas que geralmente tomava decisões erradas.
Torceu para que desta vez estivesse certa. A igreja estava completamente vazia quando entrou, e ela pôde contemplar em silêncio os lindos vitrais, iluminados pela luz exterior, a luz de um dia lavado pela tempestade da noite anterior. Diante dela, um altar com uma cruz vazia; não estava diante de um instrumento de tortura, com um homem ensangüentado à beira da morte - mas de um símbolo de ressurreição, onde o instrumento de suplício perdia todo o seu significado, seu terror, sua importância.
Ficou também contente porque não viu imagens de santos sofrendo, com marcas de
sangue e feridas abertas - ali era apenas um lugar onde os homens se reuniam para adorar algo que não podiam compreender.
Parou diante do sacrário, onde estava guardado o corpo de um Jesus em que ela ainda acreditava, embora havia muito tempo não pensasse nele. Ajoelhou-se e prometeu a Deus, à Virgem, a Jesus, e a todos os santos, que acontecesse o que acontecesse durante aquele dia, ela jamais mudaria de idéia, e iria embora de qualquer maneira. Fez esta promessa porque conhecia bem as armadilhas do amor e de como são capazes de transformar a vontade de uma mulher.
Pouco depois ela sentiu a mão que a tocava no ombro, e inclinou seu rosto para que tocasse a mão.