– Isso é bom. – O Enzo faz estalar os nós dos dedos. –Iremos lá e encontrá-lo-emos a ele ou à mulher. Então, obteremos a verdade.
Pela primeira vez desde que o detetive Ramirez me interrogou na esquadra, sinto uma centelha de esperança. Talvez haja uma hipótese de sair disto com a minha liberdade intacta.
61
O Enzo ajuda-me a limpar o meu apartamento, visto que parece ter sido atingido por um furacão após as buscas da polícia. Felizmente, são só dois quartos, pelo que, apesar da confusão, não demora assim tanto tempo. Acima de tudo, estou grata pela companhia. Seria
– Obrigada por fazeres isto – digo-lhe, pelo que parece ser a centésima vez, enquanto guardamos as roupas da minha cómoda que agora parecem estar espalhadas por todo o quarto.
– Não é incómodo algum – responde.
Ao largar uma camisola no cesto da roupa suja, noto que não está tão cheio como parecia ontem. Vasculho as roupas – falta qualquer coisa.
Levaram a roupa que eu trazia ontem à noite.
Roo a unha do polegar, tentando lembrar-me da camisola e das calças de ganga que despi ontem à noite antes de cair na cama. Não tinham sangue – tenho a certeza disso.
Quase a certeza, pelo menos. Mas e se havia pequenas partículas microscópicas que serão descobertas ao testar? Parece possível. Ainda que, a estar certa a teoria do Enzo, nunca tenha havido nenhum sangue enquanto eu estava naquele apartamento. Mas não tenho a certeza absoluta.
O Enzo está ocupado a enfiar roupas numa gaveta. Estou grata por estar aqui, mas parte de mim quer que parta para eu poder entrar em pânico plenamente.
Pigarreio.
– Se tiveres de ir, não faz mal – digo-lhe.
– Não, isto é divertido. – Ergue umas cuecas cor-de-rosa rendadas que estão no chão. – Isto é bonito. São novas?
Aproximo-me e arranco-as das suas mãos. É uma boa distração, ao menos.
– Não me lembro.
– Consigo perceber por que gostava o Brócolo tanto de ti, com cuecas tão bonitas.
Lanço-lhe um olhar.
– Enzo...
– Desculpa. – Vejo-o baixar a cabeça. – Eu só... não o percebo.
Há mais de uma hora que estávamos a limpar sem discutir o Brock. Suponho que não devia ficar surpreendida por o referir.
– O que há para perceber?
– Não parece ser alguém de quem gostarias.
– Sim, bem... – Deixo-me cair na minha cama, com uma camisola amarrotada no colo. – É um bom tipo. Quer dizer, era simpático. Era um advogado de sucesso. Não há nada de que não gostar.
O Enzo acomoda-se ao meu lado na cama.
– Se é um bom tipo, onde está agora?
Não é uma questão injusta, mas não conhece a situação toda.
– Escondi-lhe algumas coisas sobre o meu passado. Ficou magoado. Disse que sentia que não sabia quem eu sou. É compreensível que se sentisse assim.
– Quem tu és não é algo que fizeste em adolescente –os seus olhos negros fitam intensamente os meus. – É óbvio quem tu és. Se não conseguiu perceber isso ao passar tempo contigo, então tem razão. Não merece estar contigo.
Não era como se o Enzo e eu tivéssemos a relação perfeita, mas nunca duvidei que me compreendia. Às vezes, parecia compreender-me melhor do que eu mesma. E eu sabia que, se alguma vez estivesse em apuros, faria tudo para me ajudar.
– Às vezes, penso... – Mordo o lábio inferior. – Que nunca nos ligámos por inteiro. E provavelmente a culpa é minha, por lhe ter escondido coisas. Seja como for, acabou.
– Tens a certeza?
Lembro-me do olhar que o Brock me lançou ao sair daquela sala de interrogatório.
– Sim. Tenho a certeza.
– Então – diz o Enzo –, se eu te beijasse, não me daria um murro no nariz?
– Não, mas talvez eu desse.
Um sorriso torce-lhe os lábios.
– Vou correr o risco.
Inclina-se para me beijar, e eu sinto-me como se tivesse estado à espera disto durante quase dois anos. Compreendo finalmente porque estava hesitante em ir viver com o Brock e contar-lhe os meus segredos. Porque nunca senti isto por ele. Nem perto.
E o Enzo tem razão. Não lhe dou um murro no nariz.
62
Estamos em frente ao prédio de arenito castanho desde as seis da manhã.
Foi difícil arrastar-me para fora da cama tão cedo, sobretudo porque o Enzo e eu fizemos uma noitada juntos, se é que me entendem. E na noite anterior o meu sono não foi propriamente excecional. Mas o Enzo insistiu terminantemente que devíamos estar aqui logo de manhã, para garantir que não nos escapa ninguém a entrar ou a sair.
Estamos, como o Enzo lhe chama, «disfarçados». Quando o disse, imaginei grandes óculos pretos com bigodes falsos, mas na realidade não vai além de um par de bonés de beisebol e óculos de sol. O Enzo usa um boné dos Yankees e deu-me um que diz I love New York. Só que, em vez da palavra love, tem um grande coração vermelho. Pareço uma maldita turista. É humilhante para alguém nascido e criado em Brooklyn.
– Turista é o melhor disfarce – diz-me o Enzo.
Talvez tenha razão, mas odeio-o. Ainda assim, estou disposta a fazer tudo para chegar ao cerne de seja o que for que se está a passar. Antes que acabe de novo na prisão.