Há uma expressão esperançosa no seu rosto. Tenho de admitir que a ideia é apelativa. Por mais que tenhamos planeado os acontecimentos desta noite, não há garantia que o Russell e eu conseguiremos sair impunes de um homicídio. O meu plano original era passar a minha vida com o Douglas e, embora não tenha conseguido moldá-lo no que queria, não é inteiramente objetável. E, acima de tudo, teremos quantidades indescritíveis de dinheiro. Pode-se ser feliz com qualquer pessoa, se houver dinheiro que chegue.
– Talvez... – digo.
Um sorriso toca-lhe os lábios e os círculos púrpura sob os seus olhos aligeiram um pouco.
– Gostaria muito. Gostaria de recomeçar completamente do zero.
– Em que sentido?
– Em primeiro lugar, quero livrar-me de tudo isto. – Olha para o nosso espaçoso apartamento. – Não precisamos deste espaço gigantesco, ou sequer da casa enorme em Long Island, se vamos ser só nós os dois. Todo este dinheiro atravessou-se no caminho do nosso casamento. Temos demasiado. – Sorri timidamente. – Falei com o Joe sobre criar uma fundação beneficente com grande parte do meu dinheiro. Podemos fazer tanto bem, sobretudo se não vamos ter filhos... Sabe Deus que
Terá perdido o
– Douglas, eu não quero isso. Quero voltar às nossas vidas tal como eram dantes.
– Mas dantes não eras feliz. – O seu rosto ensombra-se. – Traíste-me. Estávamos completamente desligados.
Cerro os dentes.
– E, então, achas que a pobreza nos fará felizes?
– Não, mas... – Esfrega as mãos nos joelhos. – Olha, não seremos pobres. Deixaremos apenas de ser zilionários. E não vejo nenhum mal nisso. Como disse, nem sei para que precisamos de todo este dinheiro. Nem sequer o
quero!
E é por isto que eu e o Douglas nunca seremos felizes juntos. Simplesmente não compreende. Não sabe o que é termos as outras raparigas a rirem-se de nós e a perguntar se encontrámos o nosso casaco no caixote do lixo. Não sabe o que é ter um pai que se magoou nas costas, pelo que recebe uma pensão de invalidez, mas em que os pagamentos não são suficientes para manter as luzes acesas, pelo que de vez em quando há que fazer tudo às escuras, com lanternas. E ainda que as nossas irmãs ajam como se fosse uma aventura, não é. Não é uma aventura. É ser-se miseravelmente pobre e não ter nada.
O Douglas não compreende isso. Nunca compreenderá. Temos finalmente o dinheiro com que eu sonhava enquanto fazia os meus trabalhos de casa à luz de uma lanterna e quer simplesmente doá-lo todo! Deixa-me tão zangada que sinto vontade de estender as mãos e estrangulá-lo como o Russell me fingiu estrangular mais cedo, só que desta vez a sério.
Só que eu não preciso de o estrangular.
Tenho uma arma no bolso.
Puxo da arma e a minha mão mantém-se surpreendentemente firme ao apontá-la ao peito do meu marido. Os seus olhos ligeiramente raiados de sangue arregalam-se. Sabia que as coisas estavam más, mas não sabia que estavam assim tanto.
– Wendy – crocita. – O que estás a fazer?
– Acho que sabes.
O Douglas olha para o cano da arma e o seu corpo parece encolher. Abana a cabeça de forma quase impercetível. Seria de esperar que pudesse implorar pela vida, mas não o faz. Há uma expressão de resignação nos seus olhos.
– Alguma vez sentiste amor por mim, realmente? – pergunta.
A resposta a essa pergunta feri-lo-ia nos seus sentimentos. Apesar de tudo, não quero destruí-lo nos seus últimos instantes de vida.
– Não é disso que se trata – limito-me, pois, a responder.
Nunca antes disparei uma arma, mas sempre me pareceu algo óbvio. Pensava que seria o Russell a fazê-lo, mas continua escondido na cozinha, por isso cabe-me a mim.
O tiro é muito mais forte do que eu julgava que seria –um poderoso estrondo que parece ecoar pela sala muito depois de a arma ter disparado. A força sobe-me pelos braços até aos ombros e projeta-me o pescoço e a cabeça para trás. Mas mantenho as mãos firmes.
A bala atinge o Douglas em cheio no peito. É um bom tiro, sobretudo para a minha primeira vez. Há um segundo ou dois, antes de morrer, em que olha para o sangue que alastra rapidamente pela sua camisa branca e compreende o que está prestes a acontecer. Mas, então, a cor esvai-se do seu rosto e desaba sobre o sofá. Os seus olhos ainda estão entreabertos, revirados nas órbitas, e o seu peito não se mexe.
– Lamento – digo, baixinho. – De verdade que sim. Oxalá tivéssemos podido fazer com que resultasse.
Ainda sinto os ouvidos a tinir quando o Russell aparece a correr. A primeira coisa que faz é tapar a boca com a mão, e eu só penso para comigo que espero que não vomite o chão todo. Isso daria realmente cabo das coisas quando a polícia chegar.
– Fizeste-o – arqueja. – Não posso acreditar que o fizeste.
– Fiz. – Ergo-me do sofá e largo a arma na mesa de café. Tiro as luvas de borracha das mãos. – E, se não queres ir para a prisão, sugiro que saias daqui imediatamente.
O Russell parece estar ainda a tentar controlar a sua respiração.