– Nada no registo criminal – diz. – Tem a ficha limpa.
Sinto o coração esmorecer.
– Certo...
– Tenho a morada de uma segunda residência – acrescenta. – É num lago duas ou três horas a norte da cidade. Talvez... talvez seja aí que está.
Salto do sofá e agarro na minha bolsa.
– Vamos para lá, então!
– E fazemos o quê?
Dirijo-me à kitchenette. Olho para a morada no guardanapo. Sei vagamente onde fica. O Google Maps levar-me-á lá.
– Arrancar-lhe a verdade.
– Nós sabemos a verdade. – Puxa o guardanapo para fora do meu alcance. – Precisamos é que a polícia saiba.
– O que sugeres, então?
– Não sei bem – responde, esfregando os olhos com a base das mãos. – Não te preocupes. Encontraremos uma resposta. Só preciso de pensar.
Fantástico. E, enquanto pensa, a polícia está ocupada a construir o seu caso contra mim.
– Acho que devíamos ir lá.
– E eu acho que vai piorar as coisas.
Não sei o que pensar, mas estou em pulgas por fazer algo agora mesmo. Porque a polícia não está neste momento sentada numa kitchenette, a remoer as coisas.
Antes que possa tentar persuadir o Enzo, o meu telemóvel toca dentro da minha bolsa. Tiro-o e fico com a respiração presa na garganta ao ver o nome no ecrã.
– É o Brock – digo.
65
Os olhos já negros do Enzo escurecem ainda mais. Não fica lá muito satisfeito por saber que o meu ex-namorado me está a ligar. Mas não é do tipo ciumento e jamais me diria para não atender. E, mesmo que dissesse, eu não lhe daria ouvidos.
– Só um minuto – peço ao Enzo.
Ele assente.
– Faz o que tiveres de fazer.
Sabia que não se importaria. Bem, não parece propriamente encantado. Mas não protesta, ao menos.
– Estou? – digo para o telefone.
– Millie? – A voz do Brock soa distante, como se fôssemos duas pessoas que só se conheceram fugazmente e de passagem. Só nos separámos ontem e já parece estranho que tenhamos namorado em tempos. – Olá...
– Olá – respondo rigidamente.
Não posso imaginar o que quer. Não quer que nos voltemos a juntar, isso é certo. Provavelmente, estará a dar graças aos céus por não termos ido viver juntos. Não tens de que, Brock.
– Olha – diz. – Eu... queria pedir desculpa por te ter abandonado na esquadra ontem.
– Oh?
Oiço-o soltar um suspiro.
– Estava perturbado, mas foi uma incrível falta de profissionalismo da minha parte. O que quer que tenhas feito de errado, pediste-me para estar lá como teu advogado, e devia-te isso.
– Obrigada. Agradeço as tuas desculpas.
– E é por isso que estou a ligar – hesita. – Voltei a falar com o detetive esta manhã, e sinto que te devo avisar de que testaram alguma roupa que levaram do teu cesto da roupa suja.
Agarro o telemóvel com mais força.
– Para sangue?
– Não, para resíduos de pólvora. E deu positivo.
Fico boquiaberta. Parti simplesmente do princípio de que andavam à procura de sangue nas minhas roupas. Nem me passou pela cabeça que fossem procurar algo mais.
– Oh...
– Acho que estavam à espera desses resultados para que o caso fosse conclusivo – diz. – Imagino que estejam agora mesmo a obter um mandado de detenção.
Paraliso, de joelhos a tremer.
– Oh...
– Lamento, Millie. Queria só deixar-te de sobreaviso. Devia-te isso.
– Sim...
– E... – Tosse para o telefone. – Boa sorte, enfim, com
tudo isso.
Viro as costas ao Enzo para que não veja os meus olhos encherem-se de lágrimas.
– Obrigada.
Obrigada por nada. Obrigada por me abandonares quando a minha vida está em ruínas.
O Brock desliga e eu fico com o telemóvel encostado ao ouvido, lutando para não deixar as lágrimas cair. Estou totalmente lixada. A Wendy tramou-me brilhantemente para arcar com as culpas pelo homicídio de um homem que nunca sequer conheci.
– Millie. – A mão grande do Enzo pousa no meu ombro. –O que aconteceu? O que disse?
Limpo os olhos antes de me virar.
– Disse que a polícia encontrou resíduos de pólvora nas roupas que levaram do meu cesto da roupa suja.
O Enzo assente.
– Se se disparar um cartucho vazio, fica-se na mesma com resíduos de pólvora nas roupas.
Enterro o rosto nas mãos.
– O Brock diz que provavelmente obtiveram um mandado para a minha detenção, ou fá-lo-ão em breve. O que vou eu fazer?
– Não vou desistir – diz, agarrando-me pelos ombros. –Entendes? Aconteça o que acontecer, não vou desistir. Vou libertar-te.
Acredito que o diz a sério. Mas não creio que seja capaz de me tirar desta confusão. Se me prenderem, acabou-se. Deixarão de procurar o verdadeiro assassino. Tudo me será imputado, e parecem ter um caso forte. Resíduos de pólvora nas minhas roupas, as minhas impressões digitais na arma do crime, e o porteiro pode testemunhar que eu estava no edifício aproximadamente à hora do homicídio.
Estou tão lixada.
– Quero ir a essa cabana no lago. – Olho para a morada rabiscada no guardanapo. – Quero encontrar esse sacana. Preciso de chegar ao fundo disto.
– Não fará nenhum bem.
– Não quero saber – rosno. – Quero vê-lo. Quero olhá-lo nos olhos e perguntar-lhe por que me fez isto. E, se a Wendy também lá estiver, quero...