— Neste caso, cabe aos próprios mercadores, ao Parlamento e aos diplomatas tirá-los das encrencas. Durante os últimos vinte anos, a marinha real vem impondo leis ilegais na Ásia, bombardeando portos e cidades da China, cometendo os piores atos de guerra, em minha opinião apenas para sustentar o comércio do ópio... uma desonra para nós.
Sir William suspirou. As ordens que recebera do subsecretário permanente haviam sido claras:
— Pelo amor de Deus, meu caro Willie, esta é a primeira vez em que será o ministro em comando, por isso deve tomar muito cuidado. Não tome quaisquer decisões precipitadas, a menos que sejam necessárias. Tem uma sorte espantosa, pois o fio do telégrafo já alcançou Bagdá. Assim, podemos receber e enviar mensagens para lá num prazo incrível de apenas sete dias. Acrescente-se a mais umas seis semanas de vapor até Iocoama, através do golfo Pérsico e oceano Índico, via Cingapura e Hong Kong, e nossas instruções levarão só dois meses para chegar... não os dez ou quinze meses que demoravam há dez anos. Portanto se precisar de orientação, o que vai acontecer sempre, se for sensato, ficará apenas quatro meses fora do nosso controle, o que constitui a única coisa que protegerá seu pescoço e o nosso império. Entendido?
— Entendido, senhor.
— Regra número um: Trate os militares com luvas de veludo e nunca prevaleça sobre eles de forma leviana. Lembre-se de que sua vida e a de todos os ingleses em sua área dependem deles. Os militares tendem a ser cabeças-duras o que é ótimo, pois obviamente precisamos de muitos homens assim para irem até lá e morrerem em defesa da... ahn... nossa política imperial. Não cometa exageros O Japão é insignificante, mas situa-se em nossa esfera de influência, e temos investido considerável tempo e dinheiro para manter a distância russos, americanos e franceses. Não arme nenhuma confusão em nosso ninho japonês. Já temos problemas demais no prato imperial com rebeldes indianos, afeganes, árabes africanos, persas, caribenhos e chineses, para não falar dos insidiosos europeus, americanos, russos, etc. Meu caro Willie, seja diplomático e não nos crie mais problemas!
Sir William tornou a suspirar, reprimiu a irritação e repetiu o que já dissera uma dúzia de vezes, a verdade:
— Muito do que disse é correto, mas infelizmente temos de ser práticos. Sem o imposto sobre o chá, toda a economia britânica sofreria um colapso. Vamos torcer para que nossas plantações de ópio em Bengala possam ser queimadas dentro de poucos anos. Enquanto isso, terão de ser pacientes.
— Enquanto isso, sugiro que proíba aqui todo o ópio, todas as armas modernas, todos os navios de guerra modernos e toda a escravidão.
— Claro que concordo sobre a escravidão, que está proibida desde 1.833. — Havia uma exasperação perceptível na voz de Sir William. — Os americanos já foram informados a respeito há muito tempo. Quanto ao resto, a decisão é de Londres.
O almirante empinou o queixo ainda mais.
— Pois neste caso, senhor, quero que saiba que tenho certos poderes nestas águas. E pretendo instituir um embargo agora. Ouvi rumores inquietantes de que a Struan encomendou fuzis e canhões para vender. Já venderam aos nativos três ou quatro vapores armados, e os japoneses aprendem muito depressa, para o meu gosto. Escreverei formalmente ao almirantado, remetendo pelo correio de amanhã, para pedir que exijam que minhas ordens sejam tornadas permanentes.
O ministro contraiu o rosto, plantou os pés com mais firmeza ainda no convés, e respondeu em voz gelada:
— Uma idéia admirável. Também enviarei uma mensagem pelo mesmo correio. Enquanto isso, não pode dar tal ordem sem a minha aprovação, e até recebermos uma nova orientação do Ministério do Exterior, o
Os dois assessores empalideceram. O almirante fitou Sir William com uma expressão desdenhosa. Todos os oficiais e a maioria dos homens teriam se intimidado, mas Sir William sustentou o olhar calmamente.
— Eu... levarei em consideração o que disse, Sir William. E agora, se me dá licença, tenho outras coisas a tratar.
Ele virou-se, seguiu para a ponte de comando. Hesitante, Marlowe começou a acompanhá-lo.
— Pelo amor de Deus, Marlowe, pare de me seguir como um cachorrinho fiel! Se eu precisar de você, gritarei. Apenas trate de se manter a uma distância em que possa me ouvir.
— Pois não, senhor.
Depois que o almirante se afastou, Marlowe soltou um suspiro de alívio. Sir William também suspirou, enxugou o suor da testa e murmurou:
— Fico contente por não estar na marinha.
— Eu também — acrescentou Tyrer, espantado com a coragem do ministro. Marlowe tinha o coração disparado, pois detestava que gritassem com ele, mesmo sendo um almirante, mas não podia deixar de se manifestar.