Lim riu para si mesmo, sabendo que ela usava o lenço quando pensava que ninguém a observava. Será que seu nariz é tão pequeno e delicado quanto aquela outra parte? Seria pelo cheiro? Mas qual é o cheiro de que eles se queixam? Ainda não há o cheiro da morte por aqui. Devo dizer ao filho do
— Entendo — repetiu Lim, oferecendo um sorriso radiante, antes de se retirar.
Num gesto automático, Angelique ofereceu a canja.
—
— Mais tarde, obrigado, querida — murmurou Malcolm Struan, como era esperado, a voz fraca.
— Tente tomar um pouco — insistiu ela, como sempre, ouvindo outra vez a recusa.
De volta à sua cadeira junto à janela, a seus sonhos... de que se encontrava de novo em sua casa em Paris, sã e salva, na casa enorme do tio Michel e de sua querida Emma, a aristocrática tia inglesa que a criara e a seu irmão, quando o pai partira para Hong Kong, há tantos anos, todos cercados de luxo, Emma planejando almoços, passeando pelo
Camarotes nos teatros,
Tudo devaneios, é claro, pois tio Michel era apenas um funcionário subalterno no Ministério da Guerra, e Emma, embora inglesa, não passava de uma atriz de um grupo itinerante de artistas shakespearianos, filha de um guarda-livros, sem dinheiro suficiente para a ostentação que Angelique julgava tão necessária, na capital do mundo, para o cavalo espetacular, ou a carruagem, indispensáveis para se ter acesso à verdadeira sociedade, aos escalões superiores, onde poderia conhecer jovens dispostos a casarem, não apenas a levá-la para a cama e exibi-la e depois preteri-la em favor de uma flor mais jovem.
— Por favor, tio Michel, por favor! É tão importante!
— Sei disso, minha querida — respondera ela, com uma tristeza evidente, quando Angelique completara dezessete anos e pedira de presente um cavalo castrado, com trajes de montaria condizentes. — Não há mais nada que eu possa fazer. Não há mais favores que eu possa pedir, não há mais pessoas a quem possa pressionar, não há mais agiotas a quem possa persuadir. Não conheço nenhum segredo de Estado para vender, nem príncipes a promover. E tenho de pensar também em seu irmão mais jovem e em nossa filha.
— Por favor, tio querido!
— Tenho uma última idéia, e francos suficientes para uma passagem modesta, a fim de que possa viajar ao encontro de seu pai. E para comprar umas poucas roupas, não mais do que isso.
E depois a confecção das roupas, todas perfeitas, experimentá-las, ajustando e melhorando, o vestido de seda verde também, além dos outros— tio Michel não Vai se importar —, o excitamento da primeira viagem de trem, até Marselha, o Vapor para Alexandria, no Egito, a viagem por terra a Port Said, passando pelas primeiras escavações do canal de
— A diferença é tão pequena, meu querido tio Michel...
Ventos suaves, novos rostos, exóticas noites, dias aprazíveis, o começo da grande aventura, e ao final do arco-íris um marido lindo e rico, como Malcolm, e agora tudo arruinado por causa de um nativo asqueroso!
Por que não posso pensar apenas nas partes boas? — perguntou Angelique a si mesma, numa súbita angústia. — Por que os pensamentos agradáveis levam aos desagradáveis, e daí aos pavorosos, e passo a pensar no que de fato aconteceu, desato a chorar?
Não faça isso, ela ordenou a si mesma, reprimindo as lágrimas. Comporte-se. Seja forte!
Decidiu antes de sair de seu quarto: nada aconteceu, vai continuar a agir normalmente, até a próxima regra. Quando começar — e vai começar —, você estará sã e salva.
Mas... e se não vier?
Não pense nisso. Seu futuro não será destruído, isso não seria justo. Vai rezar, e permanecer ao lado de Malcolm, rezar por ele também, bancar a Florence Nightingale, e talvez acabe casando com ele.
Angelique fitou-o por cima do lenço. Para sua surpresa, descobriu que ele a observava.
— O cheiro ainda é tão horrível assim? — indagou Malcolm, desolado.